Mais uma denúncia de racismo em shopping center paulista. Por Donato

Atualizado em 28 de setembro de 2019 às 9:18
G.L.V.

A história se repete. Há dois dias, o menino G.L.V. (11 anos) foi ao McDonald’s junto com a mãe e a irmãzinha. Depois de lancharem, o trio dirigiu-se ao Shopping Bourbon, ali perto.

Um pouco antes de ultrapassarem a porta, a menininha deixou cair um brinquedo, fato não percebido pela mãe. O garoto então voltou para pegar o brinquedo enquanto sua mãe entrou no centro comercial, distanciando-se alguns passos.

Ao tentar entrar, G.L.V. foi barrado pela segurança.

É preciso dizer a cor de pele dele?

Notando a ausência do menino, a mãe voltou-se para trás e deu de cara com a cena. Ela interpelou os seguranças, afirmou que aquele era seu filho e perguntou o motivo pelo qual estava sendo barrado.

A resposta foi clássica. Ouviu que “nas redondezas há muitas crianças que vão ao local pedir dinheiro” e pensaram que “o menino estaria sozinho e na mesma situação”.

Os vigias pediram desculpas, porém a mãe fez o que devia ser feito. Chamou a polícia. Um B.O. eletrônico foi realizado, sendo que “por alguma divergência”, o boletim está com o acesso negado.

No dia seguinte (ontem) a mãe, acompanhada do advogado Ariel de Castro Alves, foi até a delegacia e fez novo boletim com base no artigo 20 da lei 7716 (Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional).

A pena prevista é de reclusão de um a três anos e multa.

“Mais um caso grave de racismo e discriminação social e econômica. E se fosse mesmo um menino em situação de rua e abandonado? Não poderia entrar no shopping? Estamos sim num país racista. A Constituição Federal proíbe qualquer forma de discriminação e existem leis que definem os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, disse o advogado Ariel.

De fato, as leis existem. Obedecê-las é que são elas.

O menino está abalado e constrangido com a situação. Tem dito que foi o pior dia de sua vida.

O Shopping Bourbon emitiu a seguinte nota: “Com relação ao episódio, a empresa informa que os seguranças agiram em conformidade à orientação de abordar qualquer menor de idade desacompanhado que ingresse no shopping, e reforça que a atitude dos profissionais visa única e exclusivamente à proteção deste público. A empresa ressalta que repudia qualquer forma de racismo ou ato discriminatório”.

Que novidade, não? Quantas notas iguais a essa já lemos?

Esse mesmo shopping, em março deste ano já havia emitido nota idêntica. Na ocasião, Raquel Virgínia, negra, uma das vocalistas da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, estava fazendo compras no local e presenciou os seguranças em ato discriminatório contra adolescentes negros. Ao abordar a segurança, foi chamada de puta.

Shoppings são reincidentes eternos. Em fevereiro deste ano, um outro desses centros higienistas causou enorme indignação. O Shopping Higienópolis havia entrado com um pedido para que seus seguranças apreendessem crianças ‘indesejáveis’ e entregassem-nas à Polícia Militar.

Crianças indesejáveis são, na visão da administração do local, aquelas em situação de rua da vizinhança. A imensa maioria, obviamente, negra.

O escandaloso caso de racismo provocou um protesto de movimentos sociais dentro do estabelecimento.

Em poucos dias uma comissão de vários grupos ligados às causas da criança e do adolescente, da população em situação de rua, do movimento negro, da igualdade racial, juntamente com representantes da Defensoria Pública e da Comissão de Direitos Humanos conseguiu uma reunião com advogados do shopping.

Exigiram não somente o fim daquela atitude asquerosa como cobraram uma contrapartida social frente a uma corporação gigante e altamente lucrativa.

Se aquele shopping tomou uma lição definitiva só o tempo dirá, mas os demais pelo que se vê, estão pouco se lixando.
Até onde vai isso? Negros e pobres são obrigados a viver fora de centros de compras?

Em supermercados temos visto episódios de negros receberem chicotadas e choques elétricos, levarem um mata-leão e sufocar até morrer.

“Tenho medo de voltar ao seu país. Estão proibindo as pessoas de serem negras”, escreveu Valter Hugo Mãe em uma carta aberta ao colega – também escritor – Marcelino Freire publicada hoje no The Intercept de Glenn Greenwald. O título é “Não deixe que acabem com a maravilha do Brasil”.

Sinto muito, caro Valter. Isso aqui já é Bacurau.