Making a Murderer e a justiça americana. Por Luísa Gadelha

Atualizado em 14 de janeiro de 2016 às 23:31

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Steven Avery foi condenado em 1985 por tentativa de assassinato e agressão sexual, e passou 18 anos na cadeia. Apesar de seus parentes terem provado o álibi e da descrição que a vítima fez do agressor não bater com o físico de Avery, ele foi preso mesmo assim. Avery tivera meses antes uma rixa com a esposa de um dos policiais da região (o condado de Manitowoc, em Wisconsin).

Em 2003, graças a testes mais avançados de DNA, Avery foi solto ao ser comprovado que o agressor era outra pessoa. Decidido a processar o estado pelo tempo perdido, Avery foi, em 2005, acusado de assassinato e novamente preso. Encontra-se na cadeia até hoje.

Parece mentira, roteiro de filme, teoria da conspiração; mas a história é real. Incrível, instigante e perturbadora. Como a polícia, que supostamente deveria defender a população, acusa e prende duas vezes a mesma pessoa, sem provas de sua culpa?

Esse é o mote da nova série-documentário da Netflix, Making a murderer (“Fabricando um assassino”), que demorou 10 anos para ser produzida. A proposta é mostrar a impotência do sistema penal estadunidense através do modo como os policiais, investigadores, procuradores e advogados envolvidos no caso estavam empenhados em acusar e prender Avery por motivos particulares. Direito e moral parecem estar dissociados, sendo o primeiro um modelo falido, passível de corrupção e anacronismo.

Hoje, há campanhas para a libertação de Avery, que ganharam força após o lançamento da série, com a hashtag #FreeStevenAvery nas redes sociais como Facebook e Twitter e até mesmo um abaixo-assinado online com cerca de 500 mil assinaturas.

Histórias assim pipocam nos EUA, suposto símbolo de democracia e liberdade. Em 1993, três adolescentes (dois deles menores de idade) foram presos acusados de um crime bárbaro, o assassinato de três crianças. A base para a acusação? O mais velho, Damien Echols, de 18 anos na época, se vestia de preto, era fã de bandas de heavy metal e visto como satanista. O mais jovem tinha problemas de cognição, com um QI abaixo da média, e foi coagido a confessar o crime para a polícia.

A saga deles virou documentário da HBO, Paradise Lost, dividido em três partes, que acompanha desde a prisão dos adolescentes até a sua liberação, em 2011 – ou seja, os três passaram também 18 anos na prisão. Para serem libertados, paradoxalmente, eles tiveram que admitir a culpa do crime – assim, considerados culpados, eles não poderão processar o estado.

Em 2012, um novo documentário foi produzido, West of Memphis, contando as mais recentes novidades do caso, que continua em aberto. Apesar de o crime nunca ter sido esclarecido, há algumas pistas a serem seguidas. O caso dos três de West Memphis mobilizou artistas como Johnny Depp e Eddie Veder, do Pearl Jam, bem como a banda Metallica.

Damien Echols, que hoje é escritor e mantém uma página no Facebook, publicou, dias atrás, um texto se posicionando sobre Making a Murderer. “As pessoas me disseram várias e várias vezes que a minha história era única, que as circunstâncias do meu caso – a injustiça com as reais vítimas, suas famílias, com os três de West Memphis – foram uma tempestade perfeita, que nunca seria presenciada novamente. Mas um raio cai duas vezes no mesmo lugar, e muitas outras vezes depois disso – a minha história e a de Steven Avery são apenas duas no vasto e impenetrável universo da legalidade. (…) Se você acha que isso não poderia acontecer novamente com você, que você está protegido – você está errado. Todo mundo corre risco.” (Tradução livre)