Manchas de óleo: nenhuma ação, muita política e pouca ciência. Por Fernando Brito

Atualizado em 21 de outubro de 2019 às 11:43

PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

A Folha publica hoje um estudo de Marlos Goes, Philippe Miron e Rick Lumpkin, pesquisadores da NOAA e da Universidade de Miami que, em linhas gerais, tem as mesmas conclusões do realizado pela Universidade do Rio de Janeiro e da hipótese que era a óbvia, dado o sentido das correntes marítimas: o óleo que chegou às praias do Nordeste tem origem em algum ponto muito ao largo da costa nordestina, em águas internacionais, na região por onde passam várias rotas de navegação, inclusive de petroleiros, como você vê no mapa da Euronav, a maior companhia privada de transporte marítimo de petróleo.

Está evidente que a fonte do óleo, como já se escreveu, pode ser um petroleiro “de qualquer nacionalidade , circulando pelo Oceano Atlântico, entre a América e a África.”

E isso foi, desde o já distante início do aparecimento do óleo, negligenciado, inclusive com o não-rastreio dos barris que deram à praia, nem tanto pela discussão sobre se continham o mesmo óleo, mas pelo incidente que os pôs ao mar.

O segundo dado que foi negligenciado pela mídia é igualmente importante: o tempo que o petróleo está no mar e as condições em que ele foi derramado.

Na grande maioria das muitas imagens que chegam das borras de óleo dando à praia ou depositadas sobre a areia, o aspecto é totalmente diferente dos vazamentos de petróleo em geral. Simplificando, com o uso livre das palavras, para facilitar o entendimento, seu estado não é “oleoso”, mas pastoso.

A causa mais provável disso é um processo que produz uma emulsão de petróleo, assim descrita no livro Oil in the Sea III Inputs, Fates, and Effects : A emulsificação é o processo de formação de vários estados de água no óleo, freqüentemente chamado de “mousse de chocolate” ou “mousse” entre trabalhadores de derramamento de óleo. Essas emulsões alteram significativamente as propriedades e características do óleo derramado. Emulsões estáveis ​​contêm entre 60 e 85% de água, expandindo o volume em três a cinco vezes o volume original do material derramado. A densidade da emulsão resultante pode ser tão alta quanto 1,03 g / mL [nota do Tijolaço: a mesma densidade da água salgada] em comparação com uma densidade inicial que varia de cerca de 0,95 g / mL a tão baixa quanto 0,80 g / mL. Mais significativamente, a viscosidade do óleo geralmente muda de algumas centenas para algumas centenas de milhares de miliPascal-segundo, um aumento típico de três ordens de magnitude. Esse aumento na viscosidade pode transformar um produto de petróleo líquido em um material pesado e semi-sólido. Emulsificação, se ocorrer, tem um grande efeito no comportamento de derramamentos de óleo no mar.

Determinar se isso ocorreu e de que forma é essencial não apenas para apurar a origem, mas para definir as contramedidas a adotar. Petróleo, em suas condições normais, jamais proporcionaria a cena comovente de pescadores “capturando” uma borra de óleo com uma rede, que reproduzo, para quem não viu o vídeo.

Para exemplificar o erro de abordagem: ontem, o ministro do Meio Ambiente foi às redes mostrar o “teste” que fez com um solvente de óleo oferecido por uma empresa., lamentando não ter funcionado. Ainda bem que não funcionou, ministro, porque o estado pastoso das manchas está facilitando e não atrapalhando seu recolhimento.

Idem para a investigação da origem do vazamento, porque o petróleo, à medida em que fica no mar sofre processos físicos – evaporação, emulsificação e dissolução – , químicos (oxidação) e biológicos, de natureza bacteriana. E, portanto, isso ajuda a conhecer o tempo em que está disperso, o que é essencial para reduzir a quantidade e descobrir a identidade do navio de onde veio.

No entanto, nossas autoridades federais, em lugar de mobilizar e coordenar meios para a limpeza das borras de óleo em velocidade e volume compatíveis com a gravidade do desastre, ficam em firulas ideológicas sobre onde o petróleo foi extraído, agarrado na esperança de “venezuelanizar” o de onde foi extraído o óleo o que, já se viu, não é o “X” do problema.

A começar pelo presidente da República que diz, sem qualquer indício, que pode ser “um atentado contra a venda do pré-sal”. Quem sabe se feito pelo primo marinheiro do motoqueiro fantasma que tocou fogo na Amazônia.