Mandetta diz que povo está confuso, mas não esclarece nada. Por Fernando Brito

Atualizado em 13 de abril de 2020 às 9:57

PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

A declaração de Luiz Henrique Mandetta, no Fantástico de ontem, lamento dizer, é cínica.

Dizer que o povo brasileiro ” não sabe se escuta o ministro da saúde, [ou] se escuta o presidente” é uma covardia com nossa população.

Enquanto Bolsonaro é agudo e direto no que diz – reabre o comércio senão vai ter o caos e a fome -, ele não fala abertamente que isso é um convite à morte de milhares de pessoas.

Hoje, em O Globo, seu ex-auxiliar, o infectologista Pedro Croda diz que ‘desconhecemos a situação real da Covid-19 no Brasil, muitos dos mortos nem sequer foram testados. Os números são subdimensionados.”

Mas todos os dias, em rede de televisão os números subdimensionados (e muito) são lançados pelo Ministério da Saúde e, como dado pseudotécnico, minimiza o que já é uma tragédia social.

É como se contássemos os mortos de Brumadinho apenas quando cada corpo fosse encontrado.

Corda, embora elogie a conduta pessoal de Mandetta, diz mais, afirma que o Brasil “perdeu tempo”.

O Brasil teve tempo de se preparar. Mas houve politização da pandemia e isso prejudicou demais o país. O Brasil está na última região do mundo a ser atingida pela pandemia. Teve tempo. Tivemos quatro meses para nos preparar, desde os primeiros casos na China. Mas não conseguimos fazer isso porque a politização prejudicou o combate à Covid-19, nos atrasou muito.

Ora, se somos uma das últimas regiões do mundo a receber o vírus mortal, qual é a razão para dirigentes da Saúde Pública titubearem e não falar a verdade, desde cedo e de forma clara para a população. Não é uma forma de, concretamente, deixar que isso seja tratado como “uma gripezinha”?

A vida pública e as responsabilidades para com a população não exigem apenas honestidade nos bolsos, mas também nas bocas.

Temos um presidente que acena com o medo da fome, do desemprego, da necessidade, embora pouco e burocraticamente faça algo para combatê-la, mas temos, ao mesmo tempo, um ministro que se preocupa mais com os holofotes e em proclamar suas virtudes – “médico não abandona paciente” – que em dizer com todas as letras: se as pessoas saírem às ruas normalmente, milhares e milhares vão morrer como se fossem moscas.

Um verdadeiro homem de Estado exibiria as fotos chocantes das valas comuns para sepultar dezenas de corpos amontoados em Nova York e diria: “se isso acontece na mais rica cidade do mundo, porque não vai acontecer aqui? É isso o que acontece quando se retarda o isolamento social”.

Mas em lugar de imolar-se pela verdade, dois dias depois foi acumpliciar-se à uma aglomeração de imbecis para visitar, em Águas Lindas de Goiás, a carcaça de um hospital que só vai funcionar muito depois deste pesadelo ter passado, para ajudar Bolsonaro a “aparecer” e ouvir “mito, mito, mito”.

Isso está a um milhão de anos-luz de ter “um comportamento técnico” ou de ser “lavoro, lavoro, lavoro” numa hora em que há carradas de providências e decisões a tomar no seu ministério. É evidente que foi para agradar seu “padrinho político”, Ronaldo Caiado.

O argumento de que, com ele, está se evitando um mal maior, por mais que tenha procedência, não o desculpa por não reagir, como médico e como homem, aos convites diários à morte que o Jim Jones brazuca faz pela TV e pela internet.

Não basta “fazer a minha parte” quando se é uma autoridade sanitária, num país imenso, desinformado e assolado pela praga de um fanatismo suicida e genocida.

Espera-se que o Sr. Mandetta assuma estas responsabilidades. É impossível referir-se ao que vem sendo feito pelo presidente desta infeliz Nação senão como sendo um chamado à morte.

Não basta dizer que a população está confusa. É preciso esclarecê-la, custe o que custar, pois a consequência é a morte de milhares, de dezenas de milhares.

O médico que não diz a verdade com toda a clareza ao seu paciente não só o abandona, mas o condena aos charlatães.