Mãos Limpas inspirou acordo entre Petrobras e EUA que deu poder bilionário ao MP de Dallagnol

Atualizado em 11 de março de 2019 às 13:14
Deltan Dallagnol

Que a Lava Jato copia a Mãos Limpas, não é nenhuma novidade. Mas eis um fato inédito: o Departamento de Justiça dos Estados Unidos buscando inspiração na operação italiana de 25 anos atrás.

Ou será que o Departamento de Justiça apenas viabilizou um desejo antigo dos procuradores brasileiros?

A história dirá.

O fato é que, conforme registrado no livro O Espetáculo da Corrupção — Como um Sistema Corrupto e o Modo de Combatê-lo Estão Destruindo o País, de Walfrido Warde, a ideia não é nova.

Em 1996, a Itália aprovou a lei 109, que destinava bens confiscados “às finalidades da justiça e determinando a sua reutilização em consonância com os fins sociais, sob gestão de organizações regionais sem fins lucrativos.”

Pelo menos lá houve uma lei.

Já aqui a força-tarefa do MP coordenada pela Lava Jato fez as vezes do Ministério das Relações Exteriores, interpretou o acordo da Petrobras com as autoridades estrangeiras como quis, e a juíza substituta de SergioMoro deu autenticidade a esse acerto, ao homologá-lo.

Foi o desfecho de um acordo assinado em setembro do ano passado, entre a empresa brasileira e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a SEC — órgão que investiga as bolsas de valores de lá.

Em troca de não ser processada, a Petrobras concordou em pagar 853 milhões de dólares ao Tesouro americano.

Mas este abriu mão de 80% do valor — cerca de 682,5 milhões de dólares (cerca de R$ 2,5 bilhões), em benefício da constituição de um fundo brasileiro para o financiamento de projetos sociais na área de combate à corrupção, que será controlado pelo Ministério Público federal.

Parece uma atitude bondosa do governo americano, mas, se analisada no conjunto do acordo, se verá que o interesse dos Estados Unidos está preservado.

Não só preservado, mas ampliado.

Garantirá ao Departamento de Justiça norte-americano acesso às informações da empresa brasileira, inclusive confidenciais, conforme registrou o site GGN.

Ao mesmo tempo, manterá o Ministério Público Federal, o principal órgão de investigação brasileiro, devedor de uma operação que criou o fundo igual ao que havia na Mãos Limpas.

Com a diferença de que, no caso brasileiro, os valores são muito maiores, e quem entrou com recursos foi a vítima.

A Mãos Limpas não chegou a tanto, embora na Itália tenha sido criticada por não atingir objetivos  e contaminar o Judiciário com o vírus do poder político.

Ao fazer a anotação sobre a operação na Itália, o advogado Walfrido Warde focou em outro aspecto da Lava Jato relacionado a Mãos Limpas: o prejuízo à economia como um todo.

A preocupação do advogado, especialista em direito empresarial, foi com os prejuízos que a Lava Jato causou no Brasil às empresas.

Na Petrobras, segundo ele, houve perda de 259 mil postos de trabalho, em relação a dezembro de 2013.

Ao mesmo tempo em que a Petrobras e outras empresas encolheram, o Ministério Público ampliou seu raio de ação.

Quando Walfrido escreveu o livro, o acordo da empresa com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos ainda não tinha sido divulgado.

O acordo da Petrobras com autoridades estrangeiras, em favor de uma instituição brasileira que desestabilizou a democracia brasileira, é um problema grave.

Justificaria uma investigação profunda, inclusive através de uma CPI no Congresso Nacional. Mas a bancada que apoia Bolsonaro parece preocupada com outros temas.

E a esquerda, até agora, não apresentou nenhuma proposta de investigação. Quem defenderá o Brasil de mais um ataque aos interesses da Petrobras?

Joaquim de Carvalho
Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com