Maradona e as drogas: nenhum pecado o torna menor ou maior. Por Luís Fernando Tófoli

Atualizado em 26 de novembro de 2020 às 9:53

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Diego Armando Maradona

Por Luís Fernando Tófoli

Eu gostaria de dirigir algumas palavras sobre Diego Armando Maradona e seu problema com drogas.

A linha fina desta postagem é: “Julgar Maradona por sua dependência química é medi-lo somente pelo estigma”.
Quem me conhece sabe que sou muito pouco afeito ao futebol. Não tenho time, o que me deixa um pouco à parte do universo – majoritariamente masculino e ainda bem homofóbico – de se zoar e ser zoado pelas afiliações futebolísticas.
Mas aí está, a morte de Maradona me faz escrever sobre ele. Nasci em 1972 e não vi Pelé jogar ao vivo em seu auge. Mas Maradona sim, eu vi, pela TV. Vi o dia da forra pelas Malvinas. Vi o gol de mão mais famoso da história. E como sudaca e latinoamericano, vibrei.
Maradona não tinha a majestade olímpica de um Pelé, mas tinha a força que só um deus zombeteiro poderia ter. Irreverente, irritante, iluminado. Abria os caminhos, tal qual um Exu dos campos. Criava mundos como os demiurgos zueiros das tradições ameríndias.
E como um deus zombeteiro, Maradona era demasiado humano, e teve realmente que lidar com muitos problemas em sua vida. O mais conhecido é o seu envolvimento com álcool e cocaína e há já na internet várias matérias contando essa história aí.
Mas diferente do que se tem dito por aí, concordo com a minha orientanda Leila Dumaresq, que me chamou a atenção de que, apesar de toda sua genialidade, muitas pessoas escolhem olhar Maradona pela falta, pelo que ele poderia ter sido se não tivesse sido… Diego Armando Maradona.
Neste momento, não temos a menor ideia se a morte de Maradona teve a ver com seu abuso de drogas, reconhecido por ele mesmo: “Sabe que jogador eu teria sido se não tivesse usado drogas? Um jogador do caralho. Tenho 53 anos, mas é como se tivesse 78.”
Sim, há boa chance de que a vida de Maradona tenha encurtado pelos excessos. Isso é triste, e poderia ter sido evitado. Mas isso não muda o fato de que se o julgamos pelas hipotéticas limitações causadas por seu envolvimento com drogas estaremos medindo o jogador pelo estigma.
O mundo do futebol é conservador – pelo menos na cara que ele mostra ao público. Não faltaram falas apressadas de comentaristas, técnicos e jogadores frisando os maus exemplos de Maradona. Eu prefiro ficar com o Walter Casagrande Jr, que simplesmente chorou ao vivo por ele.
Não acho que se deva ignorar o que aconteceu, mas há muito mais na biografia de Maradona para contemplarmos, além de cenas memoráveis com a bola: sua origem nas favelas de Buenos Aires, a ausência de receio em se posicionar politicamente e até outras polêmicas. Enfim, sua vida.
É impossível dizer quem teria sido Maradona sem as drogas. Mas mesmo com elas ele foi UM JOGADOR DO CARALHO.
Como psiquiatra, espero e trabalho para desenvolvermos melhores formas de prevenção e tratamento para que pessoas com problemas como os dele vivam melhor no futuro.
Nenhum dos supostos pecados de Maradona tornam menor quem ele foi e o que ele fez. E nem maior. Celebremos seu gênio, lamentemos sua falta, mas não deixemos o discurso moralista desmerecer o brilho de Dieguito.

Ele fez o que fez, e viveu o que pôde. E não foi pouca coisa.