Marcelo Rubens Paiva responde às críticas contra elitismo de “Ainda Estou Aqui”: “É sobre a minha mãe”

Atualizado em 24 de dezembro de 2024 às 20:03
Marcelo Rubens Paiva no Roda Viva

No programa Roda Viva de segunda, 23, Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspirou o filme “Ainda Estou Aqui”, respondeu às críticas que afirmam que o filme deveria ter abordado de forma mais ampla o impacto da regime militar em pessoas negras e de classes menos abastadas. O jornalista Tom Farias levantou questões sobre a necessidade de um recorte mais inclusivo na obra.

A crítica mais contundente veio do influenciador Thiago Torres, o Chavoso da USP, para quem a maioria da população negra e pobre do Brasil continua sob a violência policial e a repressão, mesmo depois do fim da ditadura.

“O livro era sobre a minha mãe, sobre aquele período, aquele fato, mas o que é importante no filme é que mostra uma família burguesa que poderia se acomodar, como quase todas as famílias burguesas brasileiras, poderia se aproveitar da ditadura para enriquecer, com a maioria das famílias paulistanas fizeram, só que não”, começou Marcelo.

“Meu pai, com 32 anos, lutou pela Reforma de Base, que é exatamente para tirar os negros da posição em que eles estavam –os negros, vulneráveis e pobres; pela Reforma Agrária na beira das estradas, o que seria fantástico; imagina, se você tem, nas estradas, pequenas fazendas de agricultura familiar que criam porco, leite, alface, e vendem para as cidades…”.

Cassado após o Golpe de 64, Rubens Paiva foi detido em sua casa em 20 de janeiro de 1971; levao ao DOI, foi assassinado sob tortura e seu corpo jamais foi encontrado.

O escritor também destacou que, embora o livro aborde mais profundamente interações com pessoas de diferentes estratos sociais, o filme não conseguiu abordar todas as nuances. Ele mencionou a relevância de outras figuras históricas negras e de classe trabalhadora que lideraram movimentos de resistência durante a ditadura, como Osvaldão, Marighella e Onofre Pinto.

Além disso, Marcelo citou o exemplo de Ana Dias, uma mulher negra que perdeu o marido, o sindicalista Santo Dias, torturado e morto na década de 70, e que se manteve firme na luta por justiça.

O escritor admitiu que ele aborda mais esses aspectos no livro, uma vez que jogava bola com a “galera da Favela do Pinto”. O jornalista Tom Farias rebateu. “Se fosse uma família de classe média baixa ou negra, você acha que a ditadura teria o mesmo comportamento… Ou seja, chega em sua casa, senta, dá bom dia ou boa noite, almoça com a família, joga cartas… Ou sairia arrombando portas?”, questionou.

“E roubando, matando, torturando, como foi com a família do Amarildo, né, como foi com a Marielle [Franco, 1979-2018], sem a menor dúvida”, complementou o autor.

Em um comentário final, Marcelo Rubens Paiva lamentou o caso de violência policial recente em São Paulo, quando um jovem foi jogado de uma ponte por um policial militar, destacando a continuidade da brutalidade e injustiça social no Brasil contemporâneo.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.