Marco Aurélio Mello diz que “autofagia” no STF impede cumprimento da Constituição: “Aonde vamos parar?”

Atualizado em 17 de outubro de 2019 às 16:48
Marco Aurélio Mello, dirigindo-se a Toffoli

No início do julgamento histórico sobre o princípio da presunção de inocência, o ministro Marco Aurélio Mello, relator das ações diretas de constitucionalidade, citou alguns casos de violação da soberania do plenário cometida recentemente por ministros do STF.

Dirigiu-se, primeiramente, ao presidente da corte, Dias Toffoli, que revogou, individualmente, decisão que ele havia tomado, ao conceder tutela de urgência nas ações que reconhecia a validade do artigo 283 do Código de Processo Penal e, portanto, suspendia a execução antecipada da pena, “reservando-se os casos verdadeiramente enquadrados”

Ele comparou a decisão a uma propaganda do Bom Bril, no sentido de explicar que não era uma medida para mil e uma utilidades. Valia apenas para libertar quem estivesse preso por decisão de segunda instância. Presos preventivamente, portanto, ainda que sem condenação, continuariam presos.

Marco Aurélio proferiu palavras que, certamente, irão, certamente, para os livros jurídicos, talvez para livros de história. Ele disse:

“É inconcebível (diz, olhando para Dias Toffoli) visão totalitária e autoritária no Supremo. Os integrantes ombreiam, apenas têm acima o colegiado. O presidente é coordenador e não superior hierárquico dos pares. Coordena, simplesmente coordena, os trabalhos do colegiado. Fora isso, é desconhecer a ordem jurídica, a Constituição Federal, as leis e o regimento interno, enfraquecendo a instituição, afastando a legitimidade das decisões que profira. Tempos estranhos, em que verificada até mesmo a autofagia. Aonde vamos parar?”

O relator foi além, com o registro de casos anteriores, também escandalosos:

— Faço justiça a Vossa Excelência, ao atual presidente, no que, de cambulhada, suspendeu não só a liminar na ação declaratória 54 como também as tutelas de urgência por mim formalizadas após o encerramento do segundo semestre do Judiciário de 2018 — portanto, regimentalmente — na ação direta de inconstitucionalidade 5.942 e num mandado de segurança 36169 (um caso da venda de ativos da Petrobras e outro sobre a eleição da mesa diretora do Senado (…) Faço justiça, observando que, nada obstante estranha ao regulamento funcionamento institucional do tribunal, tal prática não se mostrou inédita, considerada a história recente do Supremo.”

Em seguida, dirigiu-se ao ministro Luiz Fux, que em setembro do ano passado impediu Lula de dar entrevista, uma decisão que acabou por favorecer a eleição de Jair Bolsonaro, uma vez que, àquela altura, a fala do ex-presidente poderia ter reflexos na disputa, uma vez que ele apoiava um candidato, Fernando Haddad.

Marco Aurélio afirmou:

— Em 28 de setembro de 2018, o atual vice-presidente, ministro Luiz Fux, no exercício da presidência, deferiu a suspensão da liminar 1.178, ajuizada pelo Partido Novo, pedido de tutela de urgência para suspender os efeitos do pronunciamento formalizado por quem está à minha esquerda, pelo ministro Ricardo Lewandowski, na reclamação 3.235, determinando “que o requerido Luiz Inácio Lula da Silva se abstenha de realizar entrevista ao declaração a qualquer meio de comunicação, seja à imprensa ou outro veículo destinada à emissão de informação para o público em geral”, bem assim que, caso qualquer entrevista ou declaração já tenha sido realizada por parte do aludido requerido, a proibição da divulgação do seu conteúdo por qualquer forma, sob pena de configuração do crime de responsabilidade.

Uma imagem mostrou Ricardo Lewandowski olhando fixamente para Marco Aurélio e Fux de cabeça abaixada. Luís Roberto Barroso, a seu lado, concentrava seu olhar na tela de um notebook.

O julgamento no Supremo revelou, logo de início, que são juízes e quem são justiceiros na corte suprema.

Fux e Luís Roberto Barroso, de cabeça abaixada enquanto Marco Aurélio falava sobre a violação da prerrogativa do colegiado