Marina Silva e o eleitorado da mudança que aponta para trás

Atualizado em 8 de setembro de 2014 às 16:52

Marina-Silva

Os altos índices de Marina Silva nas pesquisas de intenção de voto parecem representar um eleitorado híbrido. A candidata teve 20 milhões de votos em 2010 e parece agora ter a perspectiva de aglutinar mais alguns milhões. Nesta multidão de marinistas estão, entre outros, jovens “modernos” descrentes dos mecanismos tradicionais de representação, ao lado de eleitores que refletem alguns dos traços mais atrasados de nossa cultura política. Aos primeiros, a candidata se diz capaz de implementar uma “nova política”, organizada a partir de estruturas horizontalizadas e flexíveis, distintas do estilo dos políticos tradicionais, com seus partidos hierarquizados e burocratizados e seus comportamentos auto interessados e eleitoreiros.

Com esse discurso, o Marinismo seduz boa parte de uma juventude indignada, mas, no fundo, despolitizada.  São jovens que não se sabem arrastados pelo senso-comum udenista anticorrupção propalado diariamente pela velha mídia e, por isso, acham que Lula é como Sarney. Assim, enxergam na ex-ministra do Meio Ambiente do Lulismo uma alternativa renovadora e crítica à polarização PT/PSDB e uma possiblidade de combate ao “tudo que está aí” – essa abstração desinformada.

Desinteressada pelo universo da política institucional, essa fatia do eleitorado talvez não leve em consideração o fato de Marina não ter um partido ou coligação capaz lhe dar sustentação parlamentar para governar. Aqui, quando confrontada com perguntas sobre a realidade prática do funcionamento da relação entre Executivo e Legislativo, Marina se sai com divagações distantes da política real: afirma que governará com os melhores de cada partido e garante que não fará alianças com o fisiologismo.

O curioso é notar que essas abstrações marinistas, típicas de discursos de campanha, são compreendidas por esse eleitorado como uma forma nova de fazer política. No entanto, tal discurso não é novo. Trata-se de uma versão repaginada – com embalagem pós-moderna e ecológica – de características históricas do imaginário conservador nacional: a tendência à conciliação para evitar rupturas e transformações profundas, a aversão à admissão do conflito ideológico e a aposta num moralismo que esvazia a Política e afirma a possibilidade de um grande acordo social e moral, “acima” das disputas de poder no congresso e no cotidiano. Neste ponto, Marina se mostra eficiente ao recorrer a este imaginário, incorporando o legado tucano e petista ao seu discurso sobre a realidade brasileira: “FHC conquistou a estabilidade e Lula, a inclusão social. Agora é hora de ir adiante, levando em conta esses dois avanços”, diz a candidata.

No entanto, apesar desta suposta equidistância de tucanos e petistas, parece claro que num eventual governo, a inclinação natural do Marinismo seria para o campo liberal-conservador, comandado atualmente pelo PSDB, presidido por Aécio – o candidato oficial da direita de quem os jovens eleitores de Marina tanto querem fugir. Tal inclinação é visível no programa de governo da candidata: menos intervenção do Estado na economia, institucionalização da independência do Banco Central, um tratamento do Pré-Sal mais simpático aos agentes privados e uma política econômica centrada mais na contenção da inflação do que na geração de emprego e renda. Aqui, cabe lembrar a presença de dois ex-tucanos e da proprietária de um dos maiores bancos privados do país na equipe econômica da candidata do PSB.

Por outro lado, ao mesmo tempo em que ativa esperanças nesta juventude pouco escolada na luta política tradicional e em questões econômicas, Marina conquista o também conservador eleitorado evangélico, com quem compartilha bandeiras regressivas no que se refere ao campo dos costumes: a manutenção da criminalização da maconha e do aborto, e a proibição do casamento homoafetivo.

O perverso de tudo isso é constatar como uma candidata com um projeto liberal na economia e conservador nos costumes pode ser vista por boa parte do eleitorado como alguém em quem se vota por “mudança” ou “protesto”. Isso talvez aconteça porque, depois de 12 anos enfrentando um noticiário negativo calcado no moralismo anticorrupção, o projeto lulista apresente sinais de fadiga no que se refere à manutenção de um eleitorado cativo – apesar dos 34% de Dilma. Uma vez que a “nova classe C” naturaliza sua ascensão social, sem mais associá-la eleitoralmente ao governo petista, como em 2006 e 2010, começa a ganhar corpo um vago desejo de transformação, que curiosamente aponta para trás: é lá que está Marina Silva.

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