Marmelada nas Olimpíadas (e o dia em que Bernardinho confessou o inconfessável para a revista Alfa)

Atualizado em 8 de agosto de 2012 às 19:26
Bernardinho: ele disse não ter entrado com força total no Mundial. Nas Olimpíadas, o chamado "no try" está resultando em banimento e polêmica

É legítimo entregar um jogo numa competição de modo a ter uma situação melhor na fase seguinte? O corredor argelino Taoufik Makhloufi foi desclassificado para os 1500 metros depois de fazer corpo mole nos 800. O juiz considerou que ele “não fez o esforço necessário” e decidiu bani-lo dos eventos seguintes da Olimpíada. Ontem os organizadores soltaram um comunicado oficial declarando que a decisão fora revogada. Segundo a federação argelina, Makhloufi estava se poupando de uma contusão. Colou e ele acabou vencendo a prova dos 1500. A seleção espanhola de basquete foi instada, numa enquete do jornal Marca, a fazer uma marmelada contra o Brasil e, assim, não pegar os Estados Unidos. Perdeu – e os franceses quase cobriram os espanhois de pancada no jogo seguinte, acusando-os de ter entregue a partida para o nosso time, o que provavelmente é verdade (a França, aliás, apanhou). Esses incidentes ocorreram depois da expulsão de quatro duplas de badminton por não terem dado tudo – uma da China, outra da Indonésia e duas da Coreia do Sul.

Acontece o tempo todo sob o eufemismo “jogar com o regulamento”. Nenhum esportista sério gosta desse tipo de manobra. Só os cínicos. Vencer a qualquer preço é uma mancha. E, ao ver esses casos, lembrei-me imediatamente de uma matéria que demos na revista Alfa, da qual fui diretor, com Bernardinho.

O técnico da seleção brasileira de vôlei é um vencedor, um homem de currículo invejável – além de explosivo e temperamental, como até os rodos que limpam as quadras sabem. Um personagem admirável em suas contradições.

O editor Marcelo Zorzanelli foi escalado para entrevista-lo. Bernardo, simpático, o recebeu em casa, no Rio de Janeiro.

 

A dupla chinesa de badminton: marmelada e volta pra casa

 

Um mês e meio antes, a seleção havia levado o tricampeonato mundial na Itália, mas ficou um certo desconforto: teria ou não o time jogado mal de propósito contra a Bulgária? O segundo lugar na chave nos deixava num grupo mais fácil dali em diante.

Vou deixar Zorzanelli, popularmente conhecido como Rocco Lampone, contar:

“Ele parecia querer falar alguma coisa importante. Mexia nos pregadores de roupa que estavam dentro de uma cestinha. Pegava um, rodava nos dedos, beliscava o dedão com o pregador, trocava, mordia a ponta da haste. Ele foi falando. Precisava falar. E foi falando.

Disse que o Brasil não entrara com ‘força total’ no jogo contra a Bulgária. Que poupar força seria algo importante para não pegar um caminho potencialmente fatal para a seleção. Não disse o que aconteceu nos bastidores. Mas pediu muitas desculpas e assumiu toda a culpa, eximindo seus atletas. Eu achei uma das declarações mais tocantes e sensatas que ouvi em minha carreira”.

Marcelo me ligou do Rio para narrar o que ouviu. Publicamos a reportagem na edição de novembro de 2010. A repercussão foi barulhenta na imprensa esportiva. “Bernardinho fez marmelada”, “Entregão”, eram as manchetes dos portais (termos que tivemos o cuidado de não usar).

Bernardo Rocha de Rezende arrependeu-se. Convocou uma coletiva na televisão para tentar se explicar (a entrevista de Zorzanelli, claro, havia sido gravada). E ligou algumas vezes para Zorzanelli. O treinador achava que havia sido traído, que estaria na capa. Sim, ele estaria – mas, antes, tivemos de dar aquele depoimento tocante. Ele não entendeu desta maneira.

O argelino Makhloufi

 

Tem coisas na vida pelas quais uma pessoa não merece passar. Uma delas é receber um telefonema irado de Bernardinho. Durante aqueles dias, Zorzanelli andava num estado de permanente alarme e tensão, como se a qualquer instante um avião tripulado pudesse entrar pela janela da redação. Sua autoconfiança se evaporara. Emendava um cigarro no outro. “Fumava no banho”, diz. Tomou medicação para os nervos. “Ele falava num tom não muito diferente daquele à beira de quadra. Não me perdoou, apesar de eu não ter tido culpa de nada. Mandei-lhe até um e-mail desejando feliz natal”.

Bernardinho, evidentemente, nunca respondeu. Mas desconfio que em algum momento daquele fim de ano ele deve ter pensado na Alfa e em Zorzanelli. E nao foi para desejar boas festas.