“Me deu ânsia”: deficiente visual processa Luciano Hang por vídeo debochando de cegos. Por Renan Antunes

Atualizado em 9 de março de 2020 às 15:31
A advogada Emmanuelle Garrido Alkmin Leão

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Luciano Hang, dono da rede Havan, aquela do slogan “a mais amada do Brasil”, é acusado na Justiça de Campinas de ter cometido crime de discriminação contra as pessoas com deficiência (PCDs) que frequentam suas megalojas.

Num vídeo que viralizou, ele disse que um cego “é uma galinha tonta”. Que um deficiente visual fica “rodando (pelas prateleiras) tá, tá, tá, tá”.

Foi perto do Natal.

Paft, tomou uma ação judicial da advogada Emmanuelle Garrido Alkmin Leão.

Como PCD, mesmo sem ter pisado nas “mais amadas”, ela pediu indenização por danos morais.

Ela está revoltada: “O que ele fez foi legitimar as agressões constantes contra as PCDs”, disse Emannuelle ao DCM.

“Dou exemplos: se uma tetraplégica for violentada, não terá como usar o telefone. O pessoal de direitos humanos se preocupa com o aborto, mas como sou cega, não vejo um teste de gravidez, nem consigo usar uma cartela de contraceptivo”.

Luciano fez seu discurso de ódio em Chapecó (SC), na inauguração da loja local (assista do vídeo no pé desta matéria).

Estava furioso porque a prefeitura o obrigou a colocar um piso tátil para orientar os deficientes visuais, uma exigência legal.

Ele odiou: “É a única loja do Brasil com piso tátil!”, insurgiu-se.

Emmanuelle ficou sabendo por um pastor: “Ele não queria que eu ouvisse, queria me poupar. Ele é simpatizante de Luciano, Mas ouvi tudo e gravei o áudio”.

No mesmo instante Emmanuelle decidiu processá-lo: “Me deu uma ânsia. Ouvir Luciano questionar as exigências (do piso tátil), o deboche, o sarcasmo. Ele estava transformando a pessoa com alguma deficiência física em deficiente intelectual”.

Mais Emmanuelle: “Este tipo de discriminação que ele cometeu é um crime tipificado na lei 13146. Se condenado, pode pegar de um a três anos”.

Sem nunca ter entrado nas lojas, por que decidiu processá-lo?

“Ele veiculou seu discurso nas redes sociais. Como grande influenciador que é, fez um estrago legitimando de cima para baixo o preconceito na sociedade”, afirma.

Ela também disse que agiu porque OAB, MPF e Procons, que poderiam propor a ação, se omitiram: “Nós, PCDs, não somos ouvidas”.

Depois de processado, Luciano mandou um pedido de desculpas, por carta, ao tribunal, para juntar no processo de defesa: “Pra mim, não serve, não desisto. Porque ninguém leu a cartinha, e milhares viram o vídeo dele. Eu quero uma retratação em mídia nacional”, diz.

Luciano ainda lembrou no vídeo que o legislador que criou melhorias para cegos o fez “por dinheiro”, esfregando polegar e indicador – assim juntou uma acusação grave, além do sofrimento que causou a Emmanuelle e milhares de PCDs.

Luciano não poderia ter se metido com alguém mais preparada do que Emmanuelle.

Ela tem uma história trágica: teve câncer nos olhos com apenas 6 meses de vida, quando perdeu retinas e globos oculares, resultando na cegueira total.

Ao lado da tragédia, construiu uma bela história de superação.

Formou-se advogada, fez MBA em desenvolvimento humano na Fundação Getúlio Vargas e foi secretária justamente da PCD na prefeitura de Campinas.

O caso ainda está no tribunal de Campinas – mesmo com seus estimados 2,2 bilhões de dólares, Luciano apenas mandou sua cartinha, mas se recusa a pagar pela discriminação e a mentira.

Quanto a Emmanuelle, vai tocando sua vida e sua luta pelas PCDs com uma surpreendente alegria. Sua entrevista foi recheada de risadas.

Quer fazer filhos assim que achar um candidato: “Por que não, né ? Sou cega mas posso fazer tudo como as outras mulheres”.

E ensina: “Sabe como uma mãe cega carrega seu filho em casa? De costas. Assim, se cair, o bebê estará protegido”.

Pois é. Foi esta mulher que o Véio chamou de galinha tonta.