Médici, Sarney, Serra, Temer e agora Luciano Huck: a miséria de Roberto Freire no ocaso da vida pública

Atualizado em 27 de outubro de 2020 às 9:09
Com o golpista Temer

Roberto Freire, eterno presidente do Cidadania, voltou aos holofotes nesta segunda, 26.

Tomou um chega pra lá de Kennedy Alencar após se intrometer num comentário do jornalista sobre Luciano Huck ressaltar a passagem dos 45 anos da Vladimir Herzog e dizer que “vale um registro simbólico das lutas pela liberdade e contra o autoritarismo no BR”.

Kennedy lembrou ao apresentador da Globo que oportunismo tem limite.

“Votou no defensor de torturador e da ditadura e vem tentar associar imagem a Herzog. Feio. Herzog não merece isso. Faça uma autocrítica antes. Questão de honestidade intelectual”.

Era a senha que Freire precisava para sair em defesa de seu pupilo e candidato à presidência em 2022.

“Tome tento, Kennedy Alencar”, escreveu o ex-dirigente do partidão.

“Vlado era do PCB. Duvido que aprovaria sua patrulha ideológica preconceituosa. Sua insistência de querer o monopólio da verdade, divide a esquerda e progressistas e ajuda a reeleger o fascista Bolsonaro. Cuide de Lula e deixe Luciano Huck em paz”.

“Que vergonha, hein”, devolveu o jornalista.

“Que papelão! Que tristeza se prestar a esse tipo de vassalagem. Quem votou no Bolsonaro é responsável pela eleição dele. Acabou como bedel do bolsonarismo de sapatênis, que é o que Luciano Huck é”.

Roberto Freire como conhecemos hoje é uma invenção tosca de José Serra. Um entulho que o atual senador tucano levou para São Paulo quando governou a capital, entre 2005 e 2006, e depois como governador entre 2007 e 2010.

Serra abriu as portas dos conselhos das estatais da prefeitura de São Paulo, e depois do governo do Estado, para entregar a Freire e seus apaniguados – Raul Jungmann, entre eles – sinecuras diversas.

De comunista ele só tem a pose.

Desde o golpe militar, em 1964, sempre conviveu numa boa com os governos de plantão – exceção do último período sob Lula e os dois mandatos de Dilma.

Foi um entusiasmado defensor do governo golpista de Temer, de quem acabou ministro da Cultura até sair pela porta dos fundos.

Na época chegou a escrever que “Temer transmite confiança à sociedade no momento em que deixa clara sua tolerância zero contra denúncias ou suspeitas de malfeitorias”.

Temer foi denunciado por corrupção e não caiu por pouco – recentemente passou uma temporada na cadeia.

Freire chegou a ser eleito deputado federal por São Paulo, mas durante o mandato perdeu apoio e na segunda eleição ficou de suplente.

Fez um acordo com o então governador do Estado, Geraldo Alckmin, que puxou deputados para o seu secretariado para abrir espaço.

A retribuição veio em forma de nomear a sobrinha do governador no seu gabinete, Myriam Alckmin, mesmo ela morando em Pinamonhanga, terra de Alckmin, num esquema parecido com o da Wal do Açaí, acusada de ser caseira de Bolsonaro em Angra dos Reis paga com dinheiro público.

No Congresso, ficou conhecido como líder da “bancada da madrugada”: de dia se dizia oposição, com discursos inflamados da tribuna, e de noite negociava interesses particulares no escurinho do governo.

Desde o início da sua vida pública é assim.

Em 1970, no horror da ditadura, o presidente Médici o nomeou procurador do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

Imagina só: um advogado de apenas 28 anos, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e um dos organizadores das primeiras ligas camponesas da zona da Mata (PE), nomeado por um ditador para um cargo importante no órgão responsável por barrar a reforma agrária.

Não foi o único episódio insólito que protagonizou no PCB.

Quando elegeu-se deputado estadual por Pernambuco, seu estado de origem, em 74, fez dobradinha com Pedro Mansueto de Lavor, um então padre conservador do interior.

Funcionava assim: o ateu Freire pedia voto para o padre na capital, Recife, enquanto Lavor corria o trecho no interior para garantir apoios ao representante do PCB.

Seguidamente reeleito, foi deputado constituinte em 1986, aliado de primeira hora do governo Sarney, no qual foi integrante de uma comissão parlamentar na antiga União Soviética.

Entretanto, desgarrou-se do grupo e passou o tempo todo passeando por Moscou, já que tinha uma filha morando na capital russa, sem abrir mão de todas as diárias a que tinha direito.

Na eleição de 1989, vencida por Collor, fez papel de bom moço e recebeu financiamento de um aliado de Sarney — o ex-deputado Roberto Cardoso Alves, o Robertão.

Como o dinheiro não havia aparecido na prestação de contas da campanha, Robertão alegou que fez a doação em bois para um churrasco. Claramente uma história para boi dormir. O fato é que Freire foi o único que não atacou Sarney.

No mais, Freire, além de ser o presidente partidário mais longevo do país, numa clara conotação de que o Cidadania é o seu meio de vida, é apenas mais um político profissional disposto a ficar do lado de quem lhe dá mais.

Vê a política como jogo – o que não é surpreendente para alguém viciado em carteado que vive no Conrad Punta del Este, um luxuoso resort localizado no Uruguai – onde, para evitar dar na vista, se hospeda com o nome de João Pereira, aproveitando que seu nome de batismo é Roberto João Pereira Freire.

Com Serra fora de combate e Alckmin no ostracismo, não surpreende que Luciano Huck seja a sua tábua de salvação no ocaso da carreira.

“Que tristeza se prestar a esse tipo de vassalagem”, escreveu Kennedy, surpreso por ele usar a dor da família de Herzog para defender um eleitor de Bolsonaro, apologista da ditadura e da tortura.

Nada a estranhar em se tratando do líder da “bancada da madrugada”.