Medo de ser preso faz Bolsonaro recorrer a um tratado bolivariano

Atualizado em 21 de agosto de 2025 às 17:14
O capitão num encontro do Mercosul antes de abandonar o Bloco. Imagem: reprodução

Durante sua presidência, Bolsonaro fez da Venezuela um símbolo do fracasso. Rompeu relações diplomáticas com o governo local, proibiu a entrada de seus representantes no Brasil e afirmava que o povo venezuelano “comia cachorro na rua”.

Usava o país vizinho como exemplo do que, segundo ele, não poderia acontecer no Brasil.

Agora, em uma reviravolta irônica, recorre justamente a um tratado assinado em Caracas para tentar escapar da prisão.

Documentos divulgados pela Polícia Federal mostram que o ex-presidente utilizou a Convenção sobre Asilo Diplomático, firmada na capital venezuelana em 1954, para justificar um pedido de asilo à Argentina. O movimento surge em meio às investigações sobre sua atuação para reverter o resultado das eleições de 2022, apontada por autoridades como tentativa de golpe.

Bolsonaro recebe Guaidó, que se autodeclarou presidente da Venezuela numa clara tentativa de golpe de Estado no país vizinho Imagem: reprodução

A escolha do tratado chama atenção não apenas pelo simbolismo da cidade-sede. Ao longo de seu governo, Bolsonaro desprezou a tradição de cooperação regional da diplomacia brasileira e hostilizou diversos países latino-americanos signatários da mesma Convenção.

Rejeitou parcerias com governos progressistas eleitos democraticamente, atacou lideranças da região e abandonou fóruns de diálogo como a Unasul e a Celac.

A relação com a Argentina, por exemplo, se deteriorou após a eleição de Alberto Fernández, que sequer foi cumprimentado pelo capitão. Bolsonaro afirmou que os argentinos haviam “votado mal” e rompeu com a tradição de diálogo entre os dois maiores sócios do Mercosul.

O mesmo padrão se repetiu com o México de López Obrador, o Chile de Gabriel Boric e a Colômbia de Gustavo Petro — todos tratados com ironia, críticas ou silêncio.

Na Bolívia, o ex-mandatário foi acusado de apoiar o golpe que derrubou Evo Morales e não reconheceu abertamente a vitória de Luis Arce nas urnas.

Pedido de asilo na Argentina encontrado no celular do ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

Internamente, o ex-presidente também demonstrou desinteresse pela integração regional. Atacou o Mercosul, defendeu sua flexibilização e esvaziamento, e aproximou o Brasil de uma agenda externa ideológica, alinhada aos Estados Unidos e a Israel, em detrimento de parcerias históricas no continente.

Agora, cercado por investigações e com aliados condenados pelos ataques de 8 de janeiro, se volta justamente à América Latina como possível abrigo. Um continente que ele tentou isolar e cuja institucionalidade regional foi, em grande parte, alvo de desprezo em seu governo.

A ironia é emblemática: o líder que mais se opôs ao regime venezuelano agora se ampara em um instrumento jurídico nascido em solo bolivariano.

 

Jose Cassio
JC é jornalista com formação política pela Escola de Governo de São Paulo