Menino que pediu comida a Papai Noel é vítima do projeto concentrador de renda que tomou conta do Brasil. Por Daniel Trevisan

Atualizado em 15 de novembro de 2019 às 15:16
Os policiais com Gabriel

Um das evidências de que o país está muito mal é quando uma criança de 10 anos escreve uma carta a Papai Noel e, em vez de brinquedo, pede comida e dois pares de chinelos, um para ele e outro para o irmã.

Foi isso mesmo o que aconteceu, em Peruíbe, na litoral paulista.

“Oi, Papai Noel. Eu sou o Gabriel e tenho 10 anos. Quero te pedir uma cesta de alimentos para eu passar o Natal. Eu não tenho pai, eu só tenho mãe. Eu a amo muito”, diz, no início da carta.

Em seguida, conta que o irmão é autista e a mãe o leva sempre para consultas médicas. Arrisca que talvez seja a razão da mãe não ter emprego.

“Ninguém quer cuidar dele. Então, estamos passando por dificuldades. Papai Noel, mande aqui para minha casa uma cesta de alimentos e roupas”, escreve.

Gabriel diz que quer ser advogado para ajudar mães que têm filhos autistas.

A mãe pediu a policiais que patrulhavam o bairro que levassem a correspondência para o Correio, que nesta época faz uma campanha para que voluntários atendam ao desejo de crianças.  Os próprios policiais atenderam ao pedido do menino, e lhe deram uma cesta de alimentos.

“Nós esperávamos ler a carta com um pedido de brinquedo, algum jogo e, quando abrimos, ele pedia comida para a família passar o Natal e dois pares de chinelo, um para ele e outro para o irmão, que tem autismo. Me deu um nó na garganta. Nós temos filhos, e é muito triste ver uma criança pedindo comida para a família”, disse o soldado Fabiano Santil.

A boa ação dos policiais deve ser elogiada  — e certamente está sendo divulgada pela corporação para tentar reverter a imagem negativa da PM —, mas o que a carta revela vai muito além de um caso particular. O menino faz referência ao desemprego da mãe, que ele atribui ao fato de ela ter que levar o filho autista para muitas consultas.

Não deve ser isso apenas.

A última pesquisa por amostra de domicílio realizada pelo IBGE informa que metade da população vive hoje com uma renda mensal de 413 reais. Os 5% mais pobres — que correspondem a 10,4 milhões de pessoas — têm renda ainda mais baixa: 51 reais por mês.

No topo da pirâmide, a situação é muito confortável:  1% mais rico – 2,1 milhões de brasileiros – tem renda média de R$ 16,2 mil por pessoa. Ou seja, essa pequena fatia mais abastada da população ganha quase 40 vezes mais que a metade da base da pirâmide populacional.

São números que refletem o alto índice de desemprego — duas vezes e meia superior a 2014, apenas cinco anos atrás.

Em 2018, a renda domiciliar per capita dos 5% mais pobres caiu 3,8% em relação a 2017. Ao mesmo tempo, a renda da fatia mais rica (1% da população) cresceu 8,2%.

Essa disparidade social vem aumentando — e deve crescer mais na próxima pesquisa, quando for verificado o primeiro ano do governo Bolsonaro, nitidamente voltado para atender às classes mais abastadas.

Que Gabriel realize seu sonho neste Natal e, além do chinelo e da comida, receba um brinquedo. Mas é preciso olhar para o desastre social que se agrava sobretudo depois de 2014, último ano em que o projeto de desenvolvimento com inclusão social foi executado.

Depois disso, tal como ocorre hoje na Bolívia, um movimento antidemocrático que visava derrubar Dilma e interditar Lula só vem ampliando o fosso entre ricos e pobres.

Gabriel e sua família são vítimas desse jogo sujo e pesado, que os gananciosos, em nome de Deus, vem implementando.

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Segue a carta: