Mercadante: discurso de Bolsonaro na ONU foi repleto de cinismo

Atualizado em 23 de setembro de 2020 às 8:49
Jair Bolsonaro. Foto: Sergio Lima | AFP

Por Mercadante

“A minha impressão é que o discurso todo foi de um cinismo inacreditável. Como é que você pode ir, perante o conjunto das nações em uma reunião de chefes de estado, com esse nível de intervenção? Ele reproduziu o método que ele já utiliza aqui no país, mas agora a imprensa do mundo inteiro está analisando”. Assim o ex-ministro e presidente da Fundação Perseu Abramo, Aloizio Mercadante classificou, em entrevista ao programa DCM ao Meio-Dia desta terça-feira (22/9) o discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia da ONU (Organização das Nações Unidas).

Ao comentar a fala de Bolsonaro que culpou a imprensa por ter criado um pânico exagerado sobre a pandemia da Covid-19, Mercadante afirmou que o Brasil teve uma resposta muito aquém para preservar a vida e a saúde da população do que outros países. “Nós temos em torno de 187 mil mortes, 4,5 milhões de contaminados e muitos com sequelas definitivas e graves pela irresponsabilidade do negacionismo do governo, que agora ele continua reafirmando’, explicitou.

Para Mercadante foi o distanciamento social que permitiu que nós não tivéssemos um impacto no início da pandemia com colapso de todo o sistema de saúde, de toda a rede de saúde pública e privada do país. “Foi o distanciamento social que permitiu você postergar, achatar a curva e diminuir as mortes na nação e era a recomendação da Organização Mundial da Saúde, de toda a medicina baseada em evidência científica. Só faltou ele dizer que a cloroquina que foi responsável pelo Brasil ter esse desempenho. Então, é inaceitável’’, prosseguiu.

Auxílio emergencial

O ex-ministro também desmascarou a afirmação de Bolsonaro de que o governo teria dado um auxílio de cerca de US$ 1 mil para a população durante a pandemia. “Os R$ 600 por mês são um pouco mais que US$ 100, em cinco parcelas serão US$ 500. A segunda porta do programa são US$ 300. Então, nenhuma conta chega aos US$ 1 mil”, disse.

Mercadante pontou, ainda, que o auxílio emergencial não foi uma iniciativa do governo Bolsonaro. “Fomos nós do PT que lançamos em primeiro lugar a bandeira do auxílio emergencial e depois os partidos de oposição defenderam a proposta de um salário mínimo e na negociação se chegou a R$ 600, podendo chegar a R$ 1,2 mil por família. Então, não o foi ele, o que ele propôs foi R$ 200. Então, vamos falar as coisas como ela são. Foi o Congresso Nacional que aprovou essa política, que precisa ser mantida até o final da pandemia”, argumentou.

Safra recorde

O ex-ministro também comentou o fato de Bolsonaro comemorar a super safra de grãos no discurso. “Nessa safra recorde de 256 milhões de toneladas de grãos vai trazer uma rentabilidade para o setor agrícola estimada em US$ 105,6 bilhões, nós estamos falando em R$ 0,5 trilhão de renda para agricultura e para o agronegócio. Como é que um país nessa condição permite que seu povo caminhe rapidamente de volta para o mapa da fome? O que aconteceu com os alimentos no país?”, questionou.

Mercadante relembrou que, de janeiro a agosto, a cebola aumentou 76 %, o leite longa vida 33%, o arroz 27%, o feijão 18% e o óleo de soja, mesmo com a maior safra de soja da história, também 18%. “Já há racionamento em algumas redes de supermercados de compra de arroz. E por que nós chegamos nesse ponto? Porque não tem governo. Esse governo não olha para o povo e para os mais pobres. Nós não temos mais política agrícola voltada para a agricultura familiar e camponesa e eles acabaram com os estoques reguladores. O que o Bolsonaro fez foi trazer a fome para o prato do dia do brasileiro”, afirmou.

Desmatamento

Além disso, Mercadante acusou Bolsonaro de manipular os dados sobre queimadas, desmatamento e emissão de gases de efeito estufa. “Mesmo sendo a 10ª economia do mundo, nós temos menos de 2% do PIB mundial. Então, os 3% de emissões é mais do que a nossa participação relativa na economia do mundo e grande peso do Brasil na emissão de gases do feito estufa é o desmatamento e a destruição da floresta Amazônica”, disse.

O ex-ministro destacou a importância a Amazônia para o sistema hidrológico do mundo e afirmou que o arco de destruição desse ecossistema é o arco de expansão da agricultura e do agronegócio. “O desmatamento, em geral é feito por grileiros, que depois repassam as terras para os fazendeiros e é uma devastação”, explicou.

Lula e Dilma

Por fim, Mercadante recordou das participações dos ex-presidentes Lula e Dilma nas assembleias da ONU. “Eu estive em vários discursos da ONU, do presidente Lula e da presidenta Dilma, discursos que eram reconhecidos, que eram aplaudidos. Nós estávamos com prestígio, o país era respeitado, o país conquistou uma estatura no conselho nas nações”, relembrou.

“Hoje nós somos um pária, ninguém leva a sério uma intervenção como essa do Bolsonaro, todos os países tiveram que lidar com a pandemia e tiveram que tomar medidas sérias, sanitárias e econômicas. Então, realmente esse negacionismo obscurantista é uma tragédia histórica e é um cinismo completo essa intervenção dele, é um governo que tenta criar uma realidade paralela, de fake news, de distorções e de uma precariedade intelectual e política que não tem precedentes”, concluiu.