Merval e os “enganados de Bolsonaro”: passou da hora da elite assumir seus erros. Por Fernando Brito

Atualizado em 17 de setembro de 2020 às 11:47
Merval em palestra na Fecomércio-RJ

Originalmente publicado por TIJOLAÇO

Por Fernando Brito

A gente tenta não ler o que escreve Merval Pereira, mas, com esta história de se acostumar a usar máscaras antivirais volta e meia se arrisca a isso. E, sinceramente, não sabe se ri ou chora, diante do “cobrador de autocríticas do PT” escrevendo que foi todo mundo – ele não se inclui, claro – “enganado por Bolsonaro”.

O ex-capitão, diz ele, foi eleito porque ainda que cego na economia, mas seria conduzido pelo bom cão-guia liberal Paulo Guedes e pelo campeão da anticorrupção que grasnava como Rei do Pedaço judicial.

Foi eleito em boa parte pelo programa de economia liberal do hoje ministro da Economia, Paulo Guedes. O eleitorado das grandes cidades e das capitais, o mercado financeiro, industriais, empresários, apoiaram o presidente na esperança de que, como admitia não entender nada de economia, deixaria Guedes dar as cartas.
Muita gente apoiou Bolsonaro também por causa do então juiz Sergio Moro, mesmo que ele ainda não fosse do governo. O apoio à operação Lava-Jato e ao próprio Moro sinalizava uma política anticorrupção.

Seria melhor que Merval (como outros tantos) assumisse que Jair Bolsonaro foi eleito pelo ódio que desenvolveram a Lula e ao PT, que com a Lava Jato passou a patamar do policialismo que, hoje, é o verdadeiro palco da política neste país.

Foram estes, destruindo os atores que o ocupavam por um processo histórico e, com todos os defeitos, suas trajetórias, os reponsáveis por tornar possível eleger-se como presidente um personagem dantesco, a quem Vinícus Torres Freire resume em seu artigo na Folha:

Bolsonaro se exime de responsabilidades na epidemia, nas queimadas, no fracasso do Renda Brasil, na indiferença inepta em relação à carestia da comida, às filas do INSS o que seja. Com sucesso, convence boa parte da população, uns dois terços, de que foi eleito para outras tarefas, como mentir, fazer propaganda de moralismo farisaico (logo ele, que faz piadas sujas com meninas de dez anos), eliminar ONGs, esquerdistas, “militâncias”, armar a população e evitar que seus filhos e, um dia, ele mesmo acabem na cadeia.

Mais do que ninguém, foi a indústria da mídia e do (valorizem-se as aspas) “entretenimento” – ambas conduzidas por uma pretensa elite intelectual – que permitiram a entronização da estupidez como regra de convívio.

Ninguém se esqueça que, também, depois de 30 anos de abstemia dos vapores da política, foram eles que insuflaram os militares a uma aventura tola e estúpida, pela qual pagarão por décadas.

Merval, com seus bigodes e modos de falso aristocrata, aceitou – como a classe dirigente brasileira – usar um tosco como aríete capaz de destruir o que, ao longo de quatro eleições, não conseguiram com a disputa – bolinhas de papel à parte – relativamente limpas pelo voto popular.