Metade dos brasileiros teme que o país vire comunista, diz Datafolha. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 2 de julho de 2023 às 14:35
Cartaz em inglês diz “Somos contra o comunismo” em ato bolsonarista do 7 de Setembro na av. Paulista no ano passado – Foto: Bruno B. Soraggi

Pesquisas de opinião precisam ser analisadas com precaução. Como Pierre Bourdieu demonstrou há meio século, elas tratam como convicções o que são meras respostas a perguntas que, na verdade, as pessoas nem fazem a si mesmas.

Ainda assim, é preciso perguntar: que cazzo seria o comunismo, para que metade dos nossos compatriotas achem que ele está para chegar?

Um sentido de “comunismo” remete a sociedades em que tudo é comum a todos. Em que não há “meu” e “teu”. Como em tantos povos não europeus, para os quais a primeira tarefa do colonizador foi ensinar o sentido de “propriedade privada”.
O Brasil de hoje está neste caminho? Difícil de acreditar.

Outro sentido de comunismo se refere à sociedade imaginada por Karl Marx. Nela, não existiria Estado, repressão ou desigualdade. A necessidade estaria abolida e todos seriam integralmente livres. A harmonia entre indivíduo e comunidade ocorreria naturalmente.

Estamos chegando lá? Não parece.

É mais razoável imaginar que, por “comunismo”, as pessoas indicam o tipo de governo autoritário que imperou na antiga União Soviética e que hoje permanece em países como China, Coreia do Norte e Cuba. Alguém realmente acredita que há, no Brasil, alguma força política relevante que planeja implantar esse modelo?

Evento de campanha de Bolsonaro em Belo Horizonte, em 2022 – Foto: Bernardo Estillac/EM/ D.A. Press

Há um quarto sentido de “comunismo”. É tudo o que não é a extrema-direita delirante. Quem difundiu essa acepção foi o (hoje calado) Olavo de Carvalho, que dizia que o governo FHC estava comunizando o Brasil. Então “comunista” é a Rede Globo, o Gilmar Mendes, o Biden, o Macron. Até Sérgio Moro teve sua fase comunista, no curto período de tempo em que ficou de mal com Bolsonaro e tentou se fazer de “terceira via”.

Seria bacana se, em vez de alimentar o medo irracional de um bicho-papão criado pela desinformação da direita, o eleitor brasileiro fosse capaz de discutir o que realmente quer para o seu país. Se entendesse o que é o capitalismo e quais as implicações que ele tem em sua vida, o que é e o que pode ser o socialismo, como uma democracia efetiva deveria funcionar.

Para chegarmos lá, só tem um caminho: educação política. Cabe à esquerda promovê-la – porque, para a direita, a alienação e a desinformação são vantagens.

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Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.