Meus pêsames. O presidencialismo de coalizão não está mais entre nós. Por Chico Cavalcante

Atualizado em 16 de julho de 2025 às 22:04
Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, o presidente Lula, e Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal – Foto: Reprodução

Por Chico Cavalcante, jornalista, escritor e consultor

A máxima de Camões, “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, descreve bem o momento político brasileiro. O golpe institucional que derrubou a presidente Dilma Rousseff marcou o início de uma mudança silenciosa de regime, desmontando a estrutura de poder em vigor. Desde então, o Congresso Nacional ampliou sua influência sobre o Executivo, de forma crescente e desproporcional. Um exemplo recente foi a derrubada do decreto sobre o novo IOF, que prejudica a maioria da população e expõe a fragilidade do governo, mesmo após a liberação de mais de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares para garantir sua aprovação.

O enfraquecimento do Executivo não é pontual. Trata-se do resultado de um pacto firmado após o impeachment. A separação de poderes foi desfeita. Com Temer, o Congresso assumiu protagonismo político e passou a controlar o orçamento. No presidencialismo congressual, o presidente vira refém do Legislativo. O Congresso dita a agenda política e econômica, sem responder por suas decisões — nem do ponto de vista fiscal, nem do ponto de vista ético. Ao Executivo resta correr atrás de apoio, sem nenhuma garantia de fidelidade.

A Constituição Federal determina que o Congresso legisle e fiscalize o Executivo. Mas isso foi extrapolado. Hoje, deputados e senadores decidem obras e distribuem recursos a fundo perdido para suas bases, numa prática legalizada de compra de apoio com verba pública. A função de “executar”, que é do Executivo, foi repassada ao Legislativo, criando uma distorção institucional incomum em democracias consolidadas.

Essa transformação não é fruto de uma crise pontual. É uma mudança profunda, institucionalizada, iniciada por Temer e aprofundada sob Bolsonaro. O Congresso se tornou um ator autônomo, capturado por interesses do mercado financeiro, do agronegócio e de outros grupos. As instituições que deveriam servir ao público perderam força. A política voltada ao interesse coletivo foi marginalizada. O “orçamento secreto” mostra isso com clareza: o Legislativo deixou de lado seu papel fiscalizador para agir como um sindicato de interesses particulares. Com o enfraquecimento de organizações sociais, como os sindicatos, o espaço público foi ocupado por grupos que atuam via Congresso para defender pautas próprias.

O presidente da República é hoje obrigado a se aliar a forças que não representam sua base eleitoral. Emendas bilionárias e fundos partidário e eleitoral transformaram parlamentares em operadores de chantagem sobre prefeitos e, indiretamente, sobre a população mais pobre. A tentativa de conter a extrema-direita aliando-se à direita convencional revelou-se falha: os mesmos partidos que se diziam aliados agora minam o governo Lula.

O presidente Lula – Foto: Reprodução

É preciso criar um novo modelo. O governo tenta recuperar iniciativa, mas isso exige reavaliação tática e novo arranjo político. A esquerda precisa repensar sua estratégia, buscando uma aliança mais coesa, que una partidos distintos em torno de um programa comum. O Executivo precisa voltar a se sustentar na mobilização popular e na escuta direta das demandas sociais.

A passagem do presidencialismo ao congressualismo mostra que o modelo político atual perdeu validade. Entre um presidente sem poder e um Congresso sem responsabilidade, há apenas paralisia e chantagem. Para sair desse ciclo, é essencial fortalecer as instituições, reconstruir a ponte entre Executivo e sociedade civil e ouvir as demandas populares. Caso contrário, o país continuará preso num jogo político estéril e ineficaz, não importa quem esteja no Planalto.

Defender a democracia deveria ser um compromisso coletivo. Só o envolvimento amplo da sociedade pode reerguer um governo voltado ao interesse público — e não apenas aos interesses da elite financeira. O futuro da democracia brasileira depende de romper o pacto que transformou a política nacional em um cassino onde a casa, sempre, ganha.