Michael Moore: “Do que temos tanto medo para ter 300 milhões de armas em casa?”

Atualizado em 15 de dezembro de 2012 às 16:02

O cineasta americano tenta explicar por que assassinatos em massa nos EUA são tão comuns

 

A semi automática “Bushmaster .223″, uma das três armas usadas por Adam Lanza, o assassino de Newtown

Michael Moore escreveu esse texto por ocasião da chacina no cinema de Aurora, no estado do Colorado, em julho. Por continuar terrivelmente atual, o Diário o republica hoje.

 

Desde que Caim enlouqueceu e matou Abel, sempre houve aqueles seres humanos que, por uma razão ou outra, temporariamente jogavam vítimas de um penhasco na ilha mediterrânea de Capri. Gilles de Rais, um cavaleiro francês aliado de Joana D’Arc durante a Idade Média, ficou maluco e acabou assassinando centenas de crianças. Apenas algumas décadas mais tarde, Vlad, o Empalador, inspiração para Drácula, estava assassinando pessoas na Transilvânia de inúmeras maneiras terríveis.

Nos tempos modernos, quase todas as nações tiveram um psicopata ou dois para cometer um assassinato em massa, independentemente de quão rigorosas as leis fossem – o adepto da supremacia branca na Noruega há um ano, o açougueiro na escola em Dunblane, na Escócia, o assassino da Escola Politécnica em Montreal, o assassino em massa em Erfurt, Alemanha… a lista parece interminável.

Sempre houve pessoas insanas, e sempre haverá.

Mas aqui está a diferença entre o resto do mundo e nós: temos dois Auroras que acontecem todos os dias de cada ano! Pelo menos 24 norte-americanos por dia (8-9 mil em um ano) são mortos por pessoas armadas – sem contar os mortos por acidente e os que cometem suicídio. Se você incluí-los, pode triplicar esse número para mais de 25 mil.

Isso significa que os Estados Unidos são responsáveis ​​por mais de 80% de todas as mortes por arma de fogo nos 23 países mais ricos, combinados. Considerando-se que as pessoas desses países, como seres humanos, não são melhores ou piores do que qualquer um de nós, bem, então, por que nós?

Conservadores e liberais operam com crenças firmemente mantidas em relação ao “porquê” do problema. O motivo de não encontrarem a solução é que ambos estão certos pela metade.

A direita acredita que os Pais Fundadores, através de uma espécie de decreto divino, garantiu o direito absoluto de possuir armas. E eles vão incessantemente lembrar que uma pistola não pode ser disparada sozinha – “armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”.

Claro que eles sabem que estão sendo intelectualmente desonestos com relação à Segunda Emenda, porque têm ciência de que os homens que escreveram a Constituição só queriam ter certeza de que uma milícia poderia ser rapidamente organizada entre agricultores e comerciantes, caso os britânicos decidissem voltar e causar alguns estragos.

Mas eles estão certos pela metade quando dizem: “armas não matam pessoas.” Gostaria apenas de alterar um pouco esse slogan para falar a verdade: “Armas não matam pessoas, americanos matam pessoas”.

Porque nós somos os únicos no Primeiro Mundo que fazem isso em massa. E você vai ouvir americanos de todas as faixas com uma série de razões para explicar por que não querem lidar com o que está realmente por trás de tudo isso.

Eles dizem que filmes violentos e games são responsáveis. Da última vez que verifiquei, os filmes e games no Japão eram mais violentos que os nossos – e, mesmo assim, menos de 20 pessoas por ano são mortas por lá com armas. Em 2006, foram duas!

Outros dirão que é o número de lares desfeitos que leva a toda essa matança. Eu odeio discordar, mas há quase tantos lares monoparentais no Reino Unido como por aqui – e, ainda, na Grã-Bretanha, há menos de 40 assassinatos por ano por armas de fogo.

Pessoas como eu vão dizer que esse é o resultado de os EUA terem uma história e uma cultura de homens armados, “caubóis e índios”, “atirar primeiro e perguntar depois.” E se é verdade que o genocídio em massa dos nativos americanos definiu um modelo muito feio para fundar um país, eu acho que é seguro dizer que nós não somos os únicos com um passado violento ou uma propensão para o genocídio. Olá, Alemanha! É isso mesmo que eu estou falando sobre você e sua história, dos hunos aos nazistas, sempre amando um bom massacre (assim como os japoneses e os ingleses, que governaram o mundo por centenas de anos – e não conseguiram isso através de plantio de margaridas). Ainda na Alemanha, uma nação de 80 milhões, existem apenas cerca de 200 assassinatos por ano.

Então, esses países (e muitos outros) são como nós – exceto pelo fato de que mais pessoas aqui acreditam em Deus e na igreja do que qualquer outra nação ocidental.

Meus amigos liberais vão dizer que, se nós tivéssemos menos armas, haveria menos mortes por armas. E, matematicamente, isso seria verdade. Se você tiver menos arsênico na água, ele vai matar menos pessoas. Menos de cada coisa ruim – calorias, tabagismo, reality shows – vai eliminar muito menos pessoas. E se tivéssemos leis fortes proibindo a venda de automáticas e semi-automáticas e de revistas especializadas que contêm um zilhão de balas, bem, então atiradores não seriam capaz de atirar em tantas pessoas em apenas alguns minutos.

Mas aí, também, existe um problema. Há uma abundância de armas no Canadá (em sua maioria espingardas de caça) – e, mesmo assim, o número de assassinatos anuais é de cerca de 200. Na verdade, por causa de sua proximidade, a cultura do Canadá é muito semelhante à nossa – as crianças jogam os mesmos games violentos, veem os mesmos filmes e programas de TV e ainda assim não crescem querendo matar umas as outras. A Suíça tem o terceiro maior número de armas de fogo por habitante na Terra, mas ainda assim uma taxa de homicídios baixa.

Então – por que nós?

Fiz essa pergunta há uma década no meu filme ‘Tiros em Columbine’. Isso é o que eu disse então e é o que vou repetir hoje:

1. Nós, americanos, somos assassinos incrivelmente bons. Nós acreditamos na morte como uma forma de atingir nossas metas. Três quartos dos nossos estados executam criminosos, mesmo que as menores taxas de homicídio estejam geralmente em estados sem pena de morte.

É a nossa forma atual de enfrentar seja o que for que estejamos temendo. É invasão como política externa. Claro que existe o Iraque e o Afeganistão – mas temos sido invasores desde que conquistamos o Velho Oeste e agora estamos tão viciados nisso que não sabemos onde invadir (bin Laden não estava escondido no Afeganistão, mas no Paquistão) ou por que invadir (Saddam tinha zero armas de destruição em massa e nada a ver com o 11 de setembro). Enviamos nossas classes mais baixas para fazer a matança e o resto de nós, que não tem um ente querido por lá, não gasta um único minuto de qualquer dia pensando sobre a carnificina. E agora nós enviamos aviões não-tripulados a regiões remotas para matar, aviões controladas por homens sem rosto em um exuberante estúdio com ar-condicionado no subúrbio de Las Vegas. É uma loucura.

2. Nós somos um povo facilmente assustado e é fácil manipular-nos com o medo. Do que temos tanto medo para ter 300 milhões de armas em nossas casas? Quem é que achamos que vai nos machucar? Por que a maioria dessas armas está nas mãos de brancos em casas de subúrbio e nas áreas rurais? Talvez devêssemos resolver o nosso problema de racismo e nosso problema de pobreza e então houvesse menos gente frustrada, assustada e furiosa. Talvez nós devêssemos cuidar melhor de nós mesmos.

Tudo o que está faltando aqui, meus amigos, é coragem e determinação. Estou nessa se você estiver.