Miguel Reale Jr.: “Julgamento de Bolsonaro cura ferida na democracia e anistia seria traição”

Atualizado em 1 de setembro de 2025 às 13:03
O ex-presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Foto: Gabriela Biló/Folhapress

Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e professor aposentado da USP (Universidade de São Paulo), vê o julgamento de Jair Bolsonaro no STF (Supremo Tribunal Federal) como um momento de reparação histórica. Foi a partir de um projeto de sua autoria, elaborado em 2002, que surgiu a base para a lei de 2021 que tipifica crimes contra o Estado democrático de Direito.

Para ele, esse processo é “uma ferida que fica na democracia brasileira”. “Ela precisa ser curada. A cura se faz por via do processo criminal, em que os responsáveis sejam julgados, afirma em entrevista à Folha de S.Paulo.

Aos 81 anos, Reale afirma que a revogação da antiga Lei de Segurança Nacional e a adoção da nova legislação foram passos decisivos. Apesar de críticas ao ritmo acelerado da tramitação, ele diz que “houve uma sorte de não estarmos com a Lei de Segurança Nacional para apurar o golpe de Estado de Bolsonaro. Senão nós teríamos sempre essa pecha”.

Segundo ele, os tipos penais de golpe e tentativa de abolição do Estado democrático são suficientes para defender a democracia e não há justificativa para uma anistia. “Seria uma traição à democracia”, acrescenta.

Na sua visão, nenhuma das hipóteses que poderiam amparar a medida está presente. Ele lembra que a anistia pode ter cabimento em processos de transição política ou quando não há mais sentimento cívico ofendido, mas avalia que esse não é o caso. “Os defensores da anistia não querem pacificação, querem impunidade”, avalia.

O jurista Miguel Reale Júnior em seu escritório em São Paulo. Foto: Karime Xavier/Folhapress

Sobre o crime em julgamento, Reale entende que a acusação deve se concentrar na tentativa de golpe de Estado. “Não vejo dois crimes que se somam. Vejo o crime de golpe de Estado absorvendo o crime de impedimento do exercício de poderes”, sustenta, alinhando-se à interpretação já defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso.

A defesa de Bolsonaro argumenta que não há elementos que liguem diretamente o ex-presidente aos atos golpistas. Reale admite que essa é uma linha lógica, mas acredita que os autos trazem provas suficientes. “É uma grave ameaça você, como presidente da República, apresentar uma proposta de intervenção militar no TSE ou querer estado de sítio sem cabimento. Isso já atinge o bem jurídico democrático”, prossegue.

Questionado sobre críticas ao protagonismo de Alexandre de Moraes na investigação, o jurista responde que não há impedimento: “O que foi ferido e lesado ali não foi um ministro, foi o STF”.

Caique Lima
Caique Lima, 27. Jornalista do DCM desde 2019 e amante de futebol.