Militares e avanço da Lava Jato na Argentina podem trazer de volta Operação Condor. Por Geraldo Seabra

Atualizado em 15 de agosto de 2018 às 9:16
Operação Condor. Foto: Reprodução/YouTube

A coisa está ficando preta. A presidente do Supremo , ministra Carmen Lúcia, recorreu segunda-feira aos “tempos estranhos” e “perigosos”, de que fala seu colega de toga, o ministro Marco Aurélio Mello. Com o objetivo específico de lembrar que vigora no País a Lei da Ficha Limpa, que embora afronte a Constituição no quesito presunção de inocência foi aplicada ao líder das pesquisas para a eleição presidencial sem a certeza da sua culpa no processo em que é acusado.

Necessário ressalvar a coincidência da referência que Carmen Lúcia faz à Lei da Ficha Limpa, não por acaso às vésperas do dia em que o PT registra a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A conduta ilibada que a ministra vem mantendo nos últimos dois anos nos faz crer que é mera coincidência mesmo.

Quem lembra das áreas de segurança nacional, criadas na ditadura militar, para cassar mais que os políticos, os próprios eleitores? Para cidades de alguma importância, os eleitores, que já não votavam para prefeitos das capitais, governadores estaduais e presidente da República, também não podiam eleger os prefeitos.

Com uma canetada abaixo do revoguem-se as disposições em contrário da Lei 5.449/68, o general-presidente Arthur da Costa e Silva (aquele que assinou o AI-5) criou os Municípios de Segurança Nacional, remetendo aos governadores a nomeação de prefeitos de mais de 160 municípios de estâncias hidrominerais, de fronteiras, as que tinham usinas, como Volta Redonda, e até base aérea, como Anápolis.

Nas eleições municipais que se aproximavam, a oposição ia vencer em quase todas aquelas cidades, o que fez a lei receber o apelido de “segurança eleitoral”. Esse papel está sendo exercido hoje pela Lei da Ficha Limpa, com os ministros do Supremo ocupando o lugar de Costa e Silva.

Mas voltando à ministra Carmen Lúcia, ela insiste em atuar como cabo eleitoral da direita. Não é para menos, essa turma está se assanhando cada vez mais. Como revelou Helena Chagas , o candidato autodenominado da extrema direita, Jair Bolsonaro (PSL), acaba de ganhar alguns votos junto aos membros do Alto Comando das Forças Armadas. Essa adesão seria cômica, se não fosse trágica, assim como são as candidaturas de quase uma centena de militares para diversos cargos nas eleições deste ano.

Bolsonaro e seu vice são o melhor exemplo disso. O general Hamilton Mourão, que na semana passada vomitou uma série de impropérios contra índios e negros, preside o Clube Militar, cujos membros estão convidados a assistir, no próximo dia 20, a uma palestra do desembargador Thompson Flores, presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF-4, aquele que aumentou a pena de Lula e que passou por cima das leis para manter preso o ex-presidente da República.

O tema da palestra promete ser bem interessante: “O Poder Judiciário na Conjuntura Política Nacional”. Mas diante das tradições democráticas das nossas gloriosas Forças Armadas, pelo que o Poder Judiciário anda fazendo em termos de aplicação das normas constitucionais e da legislação ordinária, os sócios do Clube Militar convidados a ouvir Thompson Flores não devem ter muito o que aprender sobre matéria em que já são PhD.

A esse ativismo militar nas eleições de outubro, o pleito sofre ainda a pressão do ativismo de juízes e de procuradores da República, nesse momento em que a direita voltou ao poder nos principais países da América do Sul, como Chile e Argentina, e onde a Lava Jato inspira o Judiciário local com prisões preventivas e delações premiadas.

Como aqui no Brasil, em Buenos Aires as denúncias de corrupção são dirigidas à ex-presidenta e atual senadora peronista Cristina Kirchner. Juízes e procuradores argentinos recebem aconselhamentos de seus colegas brasileiros, como Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, em sucessivas trocas de visitas entre Curitiba e Buenos Aires, onde os métodos da Lava Jato brasileira são bem acolhidos e aplicados.

Nessa segunda-feira (13), a ex-presidente se apresentou a um juiz que a investiga por denúncias de suposta corrupção, mas se negou a responder às perguntas do magistrado. Ela pediu a anulação da Lava Jato, por fazer uso de provas ilegais e sem o respeito ao devido processo legal.

Cristina Kirchner disse que a investigação contra ela “é fruto de uma decisão política do Poder Judiciário em coordenação com o Executivo (que tem à frente o presidente Maurício Macri, seu adversário) e os meios de comunicação hegemônicos”. Ela é perseguida pela imprensa desde que seu governo enquadrou o Grupo Clarin, a Globo de lá, na Lei de Mídia para conter já naquela época a proliferação de fakes no lugar de fatos em suas páginas.

Ainda que ao contrário do que ocorreu no Brasil os militares argentinos tenham sido levados ao banco dos réus, e muitos à cadeia pelos crimes de tortura, desaparecimento e morte de presos políticos, a associação entre setores da Justiça e do Ministério Público brasileiros com seus congêneres platinos não deixa de ser motivo de preocupação, especialmente em função da metodologia que está sendo exportada, com total desprezo ao cumprimento das leis.

A questão se agrava quando aqui no Brasil passamos a assistir à associação de magistrados da Lava Jato com a chamada linha dura do Exército, como é o caso do desembargador Thompson Flores com o Clube Militar. Acresça-se a isso a influência do presidente norte-americano Donald Trump sobre a direita da América Latina para constatar a formação de um cinturão sobre setores de esquerda no continente, com projeto de trazer de volta a Operação Condor.

A Operação Condor foi uma aliança militar entre as ditaduras do Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Uruguai e Paraguai, com o apoio da CIA, para eliminar líderes de esquerda aqui no Cone Sul, nas décadas de 1970 e 1980. Seu nome vem de um abutre que habita os Andes e se alimenta até de carniça, como os urubus. No Brasil, recebeu o apelido de Operação Carcará, o que pega, mata e come de João do Valle.

A Condor tinha na Operação Bandeirante, a terrível Oban, sua congênere nacional. Criada pelo comandante do 2º Exército, general José Canavarro Pereira, reunia membros da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia Federal, do SNI e do DOPS paulista. Financiada pela iniciativa privada, com destaque para a Ultragaz, sua maior contribuinte, a Oban foi um dos maiores centros de tortura e morte durante o regime militar. Seu mais destacado integrante é o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, recentemente homenageado pelo vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, que, como o capitão-candidato, considera o notório torturador “um herói”.