Militares e Centrão tentam dar sobrevida a Bolsonaro, diz cientista político

Atualizado em 19 de junho de 2020 às 21:37
Bolsonaro reunido com parlamentares do Centrão

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual:

Por Eduardo Maretti

A pior semana para o presidente Jair Bolsonaro desde sua posse chega ao fim nesta sexta-feira (19) com uma soma de fatos devastadora para o mandatário que se elegeu como representante da antipolítica tradicional. Tendo de se render ao Centrão para tentar afastar um processo de impeachment, Bolsonaro viu sua discípula Sara Winter ser presa na segunda-feira (15), aliados serem devassados por ações de busca e apreensão. Também recebeu a notícia de que 11 parlamentares de seu séquito tiveram sigilos quebrados pelo Supremo Tribunal Federal, que também nesta semana formou maioria a favor da validade do inquérito das fake news – um tema com potencial para cassar a chapa que o elegeu, ao lado do general Hamilton Mourão.

Por fim, com a prisão do ex-policial Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a parcela de mais de 70% da população que se opõe ao governo do “mito” e sua política de destruição comemorou o que lhe parece ser o começo do fim do presidente, que estaria às portas de um impeachment.

Essa expectativa se justifica? “A ameaça de impeachment se tornou algo mais palpável e concreto do que antes. Ainda que eu ache que teríamos muitas dificuldades nesse contexto para seguir com o impeachment, um processo contra Bolsonaro começou a ganhar contornos mais claros”, diz o cientista político Vitor Marchetti, da Universidade Federal do ABC (UFABC).

“Governo acabou, mas não o mandato”

Para ele, no palco político do país, está em cena uma articulação entre os militares e o Centrão. “O objetivo é dar uma sobrevida ao mandato de Bolsonaro, e não ao governo Bolsonaro. Minha perspectiva é de que o governo Bolsonaro acabou. Mas dizer que isso vai produzir o impeachment é outro passo.”

Na opinião de Marchetti, a articulação do Centrão com os militares pretende dar um novo arranjo ao governo, desde que com a garantia de que vão conseguir segurar a disposição e a vontade de ruptura permanente de Bolsonaro. Enquadrar seu ímpeto e irresponsabilidade para tocar a agenda econômica ultraliberal era a perspectiva de boa parte da elite politica e econômica que aderiu a sua candidatura em 2018.

Mas, com o caos instalado no país, perceberam que esse controle sobre o presidente foi perdido. Para o professor da UFABC, “o governo Bolsonaro acabou no sentido do que significou o consórcio inicial da eleição”, quando havia três pilares da aliança que se propôs a sustentar Bolsonaro.

“Havia o consórcio lavajatista, com Sergio Moro; o consórcio da agenda ultraliberal, com Paulo  Guedes (ministro da Economia); e o consórcio com a ala olavista e evangélica, que trata da agenda moral. Esse amplo consórcio está se desfazendo muito rapidamente. O consórcio lavatista já saiu. O econômico, me parece que não tem mais qualquer perspectiva de emplacar suas agendas, e o que sobra do consórcio inicial é a agenda moralista.”

É muito significativo o anúncio de Mansueto Almeida, secretário do Tesouro Nacional e considerado peça-chave no Ministério da Economia, de que deixará o governo nas próximas semanas. “É um sinal importante do desmonte da última agenda que fazia parte do consórcio que elegeu Bolsonaro”, avalia Marchetti.

Nesse contexto, a queda do ministro da Educação, Abraham Weintraub, da ala olavista-evangélica, na quinta-feira (18), é também muito significativa.

O rearranjo que, na opinião do cientista político, é construído pela aliança dos militares e Centrão, pode funcionar se Bolsonaro estiver disposto a participar dessa costura.

O fator Queiroz

“Mas outros elementos podem surgir e a questão Queiroz é central nisso, porque pode desmontar a possibilidade de sobrevida do governo”, aponta Marchetti, considerando a irrefreável disposição para o tensionamento de Bolsonaro.

Em sua opinião, não há muitas condições de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassar a chapa Bolsonaro-Hamilton Mourão. “Num processo de impeachment é necessária uma nova coalizão que sustente o pós-impeachment. Com Collor e com Dilma foi assim. Com uma nova coalizão, o impeachment prossegue. Nesse momento, um rearranjo não passa pela eliminação da chapa Bolsonaro-Mourão no TSE para chamar novas eleições.

A prisão de Queiroz torna esse novo arranjo instável. “Por um lado, tem o movimento de Centrão e militares, que promove a troca de Weintraub, procura dar equilíbrio e estabilidade ao governo, distribuindo cargos, aumentando a base no parlamento e fazendo acordos. Por ouro, há o crescimento de ações (STF, Polícia Federal, Ministério Público) fora do controle desse grupo. A principal delas é a prisão de Queiroz. ”

“E a principal incógnita no cenário é o quanto fica cada vez mais caro, para centrão e militares, tentar manter a estabilidade”, conclui Marchetti.