Militares prepararam acampamento golpista no QG do Exército. Por Jeferson Miola

Atualizado em 14 de outubro de 2025 às 13:11
Charge de Renato Aroeira

Reportagem de Aguirre Talento no Estadão [13/10] mostra como os militares prepararam o terreno do golpe. Literalmente!

Com máquinas do Exército –retroescavadeira e caminhões–, militares realizaram obras de terraplenagem na área destinada ao acampamento de golpistas na sede do Comando do Exército Brasileiro, em Brasília – o Forte Apache.

A preparação do terreno foi realizada em novembro de 2022, logo após o 2º turno da eleição, quando bolsonaristas e integrantes da “família militar” inconformados com a derrota eleitoral iniciaram os acampamentos em áreas de quartéis do Exército em todo país.

A reportagem ilustra com informações, imagens e vídeos o que já se sabia: foi institucional o envolvimento das cúpulas fardadas com o empreendimento golpista que culminou no 8 de janeiro de 2023.

A participação de militares no golpe é evidente e irrefutável. Dos 32 réus da ação penal da trama golpista, 24 deles são oficiais das Forças Armadas, quase todos das mais altas patentes militares – tenente-coronel, coronel, almirante, general.

É impossível, portanto, que os comandos das três Forças desconhecessem a trama golpista que se desenrolava nas instalações militares em conexão com o Palácio do Planalto, onde generais ocupavam postos-chave do núcleo de governo.

A terraplenagem no Forte Apache para criar condições propícias ao acampamento golpista foi consentida pelo Alto Comando do Exército, como também foi consentida a Bolsonaro a oportunidade de lançar sua candidatura presidencial para a eleição de 2018 no pátio da AMAN, em 29 de novembro de 2014, quando o general Tomás Paiva, atual comandante do Exército, comandava aquela importante unidade militar.

Alguém seria ingênuo a ponto de acreditar que o Comando do Exército desconhecia a rotina golpista e os propósitos antidemocráticos e inconstitucionais do acampamento no Quartel-general do Exército, onde eram ostentadas faixas pedindo “intervenção militar com Bolsonaro no poder” e conclamando que “Supremo é o povo”, e onde militares da ativa e da reserva, além de esposas de militares, como Dona Cida Villas Bôas, faziam proselitismo político?

Os comandantes das três Forças expressaram irrestrito consentimento ao acampamento no comunicado às instituições e ao povo brasileiro, de 11 de novembro de 2022, no qual defenderam os acampamentos nos quartéis e estimularam o ambiente de caos e violência no país.

O comunicado das cúpulas militares encorajou o golpismo. No dia seguinte, em 12 de novembro, o general Braga Netto reuniu comparsas das Forças Especiais do Exército na sua residência para planejar os assassinatos do presidente e do vice eleitos, Lula e Alckmin, e do ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, na operação “Punhal verde e amarelo”.

Alguns dias depois, em 18 de novembro, Braga Netto tranquilizou bolsonaristas presentes no Palácio do Alvorada com uma declaração enigmática e que, à luz das descobertas posteriores da PF, pode ser interpretada como uma sinalização da continuidade do plano para a tomada de poder: “Não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês agora”.

Aquele comunicado dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica de 11 de novembro serviu como senha, também, para outros acontecimentos dramáticos protagonizados por golpistas acampados, como as depredações em Brasília e ataques à sede da PF na data de diplomação de Lula e Alckmin [12/12/2022], e o fracassado atentado terrorista no aeroporto da capital federal, em 24/12/2022. Além, óbvio, dos atos do 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes.

julgamento e condenação dos implicados na trama golpista é um acontecimento histórico e inédito em toda história brasileira. É muito significativo que coronéis, generais e ex-comandantes militares estejam sendo julgados em tribunais civis.

É preciso reconhecer, contudo, que este processo deixa pontas soltas, como o envolvimento central das cúpulas fardadas e da instituição militar no processo golpista.

Como descreveu o historiador Carlos Fico no livro Utopia autoritária brasileira – como os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje, “todas as grandes rupturas da legalidade constitucional tiveram origem no intervencionismo militar”.

Não foi diferente neste último golpe tentado e fracassado, que desta vez só não prosperou porque a administração Biden “desautorizou” os militares a perpetrá-lo.

Fosse Donald Trump o presidente dos EUA em 2022, os militares teriam dado o golpe e hoje o Brasil estaria mergulhado numa ditadura provavelmente mais sanguinária e cruel que a de 1964/1985.

Publicado originalmente no blog do Jeferson Miola