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Minha carta a Lula. Por Carlos Fernandes

De todas as penas cabíveis ao doloroso ofício de escrever, talvez a maior delas seja a de não conseguir expressar em palavras aquilo que se sente no coração.

Se assim é na poesia, na literatura, na crônica, no conto e nas colunas, descubro agora que também o é, e de forma infinitamente mais profunda, na carta, esse instrumento tão belo e pessoal, quanto em desuso.

Não deixa de ser curioso que a injustiça imposta a você, que é também a injustiça imposta a todos nós, tenha servido também para retomarmos essa ancestral e arrebatada forma de se comunicar.

Longe, muito longe de querer romantizar essa eterna distopia nacional, o objetivo até aqui é de apenas constatar a grandeza dos homens que até no suplício inspiram aos que estão ao seu redor atos do mais incondicional amor, respeito e solidariedade.

É bem verdade, senhor presidente, que esse sentimento não só de simples empatia, mas, sobretudo, de um sincero, profundo e estreito sentimento de amizade, não foi construído tão somente nesses últimos anos em que fomos obrigados a assistir – muitas vezes incrédulos e impotentes – ao aprofundamento do massacre midiático ao qual toda a sua família foi covardemente exposta e sacrificada.

Para muito mais além do que isso, todos nós que ora nos unimos a você, somos, de diversas formas e maneiras, gratos pelo que representou para o Brasil toda a sua luta, os seus sonhos e os seus ideais numa terra em que pobres, negros, mulheres, homossexuais, índios e minorias em geral sempre foram criminalizados, injustiçados e ridicularizados.

Sei do que falo porque sou – como você – nordestino, de origem pobre e filho de agricultores que em algum momento da vida se viram obrigados a saírem do campo para tentar a vida na cidade.

Senti na infância, ainda que sem entender muito bem a angústia que isso causava, o desespero de um pai de família desempregado que precisava sustentar sua casa, sua mulher e seu filho.

Sem entender as causas políticas, sociais e econômicas que nos infligia essa indecorosa condição, como meus pares nos arrabaldes da vida, culpei em boa medida a Deus e ao Diabo.

Para nós, àquela época, era indiscutível o fato de que o nosso destino já estivesse traçado. Por uma lógica inalcançável por nós, aquilo era o que tinha de ser.

Daí, só um pouco da sua importância.

Foi com você e com a sua insistência de fazer chegar ao mais alto cargo da República um retirante do Nordeste, que descobri que a dignidade humana era possível.

Foi com você que descobri que as derrotas não podem ser maiores do que a persistência, do que a luta e do que o sonho. Foi com você que aprendi que ninguém pode se dar ao direito de ser feliz enquanto um único ser humano estiver passando fome. Foi você que me provou que um simples operário poderia calar a boca de todo o plenário da ONU.

São aprendizados, Lula, que não se aprendem na universidade. E foram esses aprendizados, inclusive, que não me permitiram desistir.

Mesmo sem o PROUNI, consegui entrar na faculdade de economia. Lembro que nesse tempo éramos recepcionados como “sobreviventes”.

Não foi, e atesto isso, questão de “meritocracia”.

Tive sorte, muita sorte. Amigos mais inteligentes e esforçados do que eu ficaram para trás. Foram abatidos pelo secular mecanismo de exploração da pobreza e da miséria.

Por isso sei, presidente, da importância das políticas de inclusão criadas no seu governo. Por isso sei da sua preocupação para que todos os brasileiros pudessem ter quatro refeições ao dia. Por isso sei que os oito anos em que permaneceu na presidência foram os mais importantes da história desse país para todos aqueles que nunca tiveram uma única chance na vida.

Por tudo isso, é cruel e desumano o que fazem por poder e ganância.

Não me atrevo, Lula, a imaginar o seu sofrimento de agora. Apenas quero que tenha a certeza de que jamais estará sozinho. Quero que saiba que lutaremos até o fim.

Sócrates, o grande filósofo grego, uma vez disse que é mil vezes melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la. Então, não tema. Sabemos que você está sendo injustiçado e sabemos o porquê.

Nesse exato momento, o planeta assiste à criação de mais um líder mundial. Seu nome, agora já não importa o que façam, ecoará pelo tempo mostrando, mais uma vez, que não se pode matar um ideal.

Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Mandela, Gandhi, Martin Luther King e todos aqueles que não baixaram a cabeça para o fascismo e para a intolerância, te saúdam.

Carlos Fernandes

Economista com MBA na PUC-Rio, Carlos Fernandes trabalha na direção geral de uma das maiores instituições financeiras da América Latina

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