“Minha filha adolescente é gay”

Nosso leitor revela como lidou com a revelação de sua filha — e com o preconceito em sua família.

 

Minha filha, desde seu primeiro dia de vida, nunca foi de dar muito trabalho. Era um bebê de traços delicados. Logo colocamos um par de brincos nas suas orelhinhas — as pessoas diziam que nem precisava disso para saber que era uma menina.

Como tínhamos de trabalhar, ela precisava ser organizada com os estudos e suas obrigações. Era comum haver reuniões em casa, onde ela dava aulas para seus colegas de escola.

Procuramos não mimá-la demais e prepará-la para a vida com amor, carinho e atenção. Veio a adolescência. Em sua primeira menstruação, ela ganhou rosas vermelhas de mim. Tornou-se uma moça esbelta e bonita.

Aos 15 anos, aconteceu o primeiro namoro. Não durou dois meses. Ela o achava “legal”, mas não rolou. Parecia não se preocupar com isso. Comentava dos “mocinhos” que achava bonitos, mas nas festas não ficava com ninguém. Aos 16 anos, ela conheceu outro rapaz, mas o relacionamento durou menos ainda. Minha filha continuava, segundo contava à mãe e a mim, virgem.

O tempo foi passando e comecei a notar que, junto com essa aparente despreocupação por relacionamentos, ela costumava se comunicar, nas redes sociais, apenas com mulheres. Comentei com sua mãe, que a principio não deu importância. Eu a sua mãe já estávamos separados há um tempo e elas moravam juntas em outra cidade. Decidimos conversar sobre sexualidade. Será que eu havia feito algo de errado? Será que fui negligente?

O principal papo foi comigo, em casa. Dei bastante liberdade para ela falar sobre o que fosse necessário. Não demorou muito para ela dizer que, desde pequena, mesmo antes da puberdade, tinha uma sensação diferente em relação às outras meninas, mas deixou o tempo passar. Afinal, meninas gostam de meninos. Veio a adolescência e esse sentimento em relação às meninas começou a se transformar em atração. Ela não sentia nada pelos rapazes, mas decidiu que iria se testar namorando um garoto. Não teve repulsa, mas não viu graça. Apareceu um outro, muito bonito, se dizendo apaixonado por ela, cheio de energia e paixão. Ela resolveu terminar o namoro ainda mais rapidamente.

A internet passou a ser, ela me disse, um ótimo meio para fazer seus primeiros contatos com mulheres e ver como reagiria. Num primeiro momento, chamou sua atenção a maneira aparentemente fácil como contatava mulheres na mesma faixa de idade. Acabou se interessando particularmente por uma garota de outro estado.

Propus a ela que consultássemos um terapeuta especializado no assunto e ela concordou na hora.

A opinião dele foi a que eu já imaginava. Minha filha não teve nenhum trauma, evento ou problema que pudesse ter trazido confusões ou distúrbios em sua sexualidade. Ela naturalmente se sente atraída por pessoas do mesmo sexo, tendência que já se manifestava desde criança e que, na puberdade, se intensificou e se estabeleceu.

Comentei com ela que talvez fosse melhor deixar que sua sexualidade se manifestasse naturalmente no mundo real, e não tanto no virtual. Ela se apaixonou por uma colega hetero e tomou um fora. Entrou na primeira lista da universidade federal em Ciência da Computação, um orgulho para toda a família. Já na faculdade, no segundo semestre do ano passado, numa festa na praia, conheceu uma moça dois anos mais nova. Começaram a namorar e estão juntas até hoje.

Sua turma está numa boa com isso. Na minha família, acontece uma coisa interessante: minha mãe, pediatra de 85 anos, e meus tios tratam este assunto com maturidade. Meus irmãos ficam visivelmente desconfortáveis. Minha irmã, que tornou-se evangélica depois de velha, acha que é uma doença.

Ensinamos nossa filha a ser sincera, a trabalhar e batalhar para conquistar as coisas que deseja. Fico feliz e orgulhoso em observar que ela não é mentirosa, preconceituosa, racista, inconfiável ou fofoqueira.

Minha filha é gay… E daí? Ela me dá um tremendo orgulho por tudo o que é e tudo o que faz. Estarei sempre aqui para conversar. Vou protegê-la. Vou defendê-la de gente preconceituosa e burra.

Ela se parece comigo. Ela está feliz. E nós temos mais uma coisa em comum: os dois gostamos de mulheres.

Flávio Augusto

Economista, 50 anos, Flávio mora em São Paulo e gosta de levar a filha a reuniões de família.

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