O caso Pistorius deve ser visto à luz de um país violento, racista e com uma população armada.
O cerco se fecha sobre Oscar Pistorius. Aos poucos, o perfil de um homem explosivo e instável vai se sobrepujando ao do atleta que serviu de exemplo e inspiração para milhões de pessoas. Mas sua queda deve ser vista no contexto de um país altamente violento e complexo.
A polícia sul-africana está trabalhando com a hipótese de que um taco de críquete foi usado por Pistorius para atacar sua namorada, Reeva, antes de ele atirar nela quatro vezes. O taco foi encontrado ensanguentado. Um amigo, cuja identidade não foi revelada, disse que o corredor ligou para ele na madugada fatídica: “Meu bebê, eu matei meu bebê… Deus, me leve embora”, teria dito.
A África do Sul se prepara para sua versão do julgamento de OJ Simpson. Como OJ, Pistorius era um ídolo e, como OJ, assassinou a mulher. Faltava uma suspeita de traição. Agora não falta mais. Um jogador de rúgbi está no centro dos rumores de que poderia ter sido o estopim de uma briga entre o casal. O nome dele é François Hougaard, amigo de Pistorius e ex-namorado de Reeva. A assistente pessoal de Nelson Mandela, Zelda La Grange, foi quem levantou a bola. Em sua conta no Twitter, ela, maldosa e irresponsavelmente, escreveu: “Você ouviu os boatos sobre um jogador de rúgbi envolvido? Todos ouvimos”. Um jornalista retuitou a insinuação. Pronto.
Hougaard não jogou na sexta-feira e sua agente avisou que ele não vai responder a nenhuma questão relacionado ao incidente, “que não tem nada a ver com ele”.
Detalhes horripilantes não param de surgir na imprensa local. Pistorius teria carregado a namorada, ainda com vida, em busca de socorro (ela foi atingida através da porta do banheiro). Ele tentava fazer respiração boca a boca quando os seguranças do condomínio chegaram.
Numa entrevista, o pai de Reeva, Barry Steenkamp, disse não guardar rancor e que estava lutando para encontrar uma razão de por que isso aconteceu. “Ele deve estar passando por coisas que nós não sabemos”, afirmou. Já o pai de Oscar, Henke, declarou não ter dúvida de que o filho achou que Reeva fosse um ladrão tentando invadir a casa. “Quando você é um esportista, você age por instinto. Se você acorda no meio da noite — e o crime é tão endêmico na África do Sul — o que você faz se alguém estiver na sua casa? Você acha que é alguém da sua família? Claro que não”, ele disse.
Além de ser um dos países mais violentos do mundo, saído recentemente do appartheid, a África do Sul tem outro problema parecido com o dos EUA: a população armada. Calcula-se que 12% dos habitantes (6 milhões de pessoas) possuam armas. Pistorius era um deles. A família gostava de caçar. Além da pistola de 9 mm usada para abater Reeva, havia uma metralhadora (!!) na janela. Ao todo, eram sete armas em casa – uma delas, um rifle semiautomático do mesmo calibre usado no massacre das crianças em Newtown.
Apesar do passado complicado, Pistorius sempre foi, compreensivelmente, tratado como um super-herói. Ainda há muito a esclarecer sobre aquela noite em que ele caiu das nuvens. Mas, mesmo que escape da prisão perpétua, Oscar Pistorius não vai sobreviver aos disparos que deu em seu próprio mito.