
Fui obrigado a entrar numa treta no Facebook em torno de David Bowie. Entendi que um texto do jornalista Lelê Telles ultrapassou todos os limites: foi grosseiro com Bowie e seus admiradores, e foi escrito com doses maciças de desinformação e falsa graça.
Na origem, estava aquela ideia que já virou meme de tão ridícula: “Só eu acho que etc etc”?
O texto:
NUNCA GOSTEI DO DAVID BOWIE
a única música dele que eu gostava era cantada pelo Nirvana.
eu achava a musiquinha dele uma coisa muito sem graça, a figura dele era meio insossa pra mim.
eu sei que quando morre um cabra chovem epitáfios afagosos: bom pai, bom filho, esposo amantíssimo…
sei também que é crueldade falar mal de um defunto com o corpo ainda quente.
mas eu não tenho nada de mal pra falar do Camaleão, só que nunca dancei uma única musica dele, nunca coloquei um disco dele na vitrola.
digo isso porque hoje só se falou nele, e se todo mundo pode dizer o que sentia sobre o cabra, eu também me senti no direito.
pra falar a verdade, eu nem sabia que ele tava vivo, nunca vi um fã dele falar qualquer coisa sobre o seu ídolo nos últimos dez anos.
mas sabe como é, o cabra morre e aparecem os “amigos” no funeral pra piscar pra viúva, exibir os óculos escuros de grife e beliscar uns canapés.
não tenho vocação para carpideira, não se chora por quem não se tem afeto.
chuva de flores pra ele.
palavra da salvação.
Você pode ver que é um texto com todos os defeitos possíveis. O mais simples dele é o cacófato do título, que o autor disse não ter importância porque foi isso que um professor de linguística lhe ensinou.
Ora, ora, ora.
Mas o pior não é isso, naturalmente. É o tom. O que leva alguém que admite não conhecer Bowie a insultá-lo tão gratuitamente, e num momento de intensa comoção para milhões e milhões de pessoas que o amavam?
A melhor resposta é a do meme célebre: ser diferentão, ser melhor que os outros, estar acima da humanidade.
É, portanto, um ato tolo de exibicionismo de quem precisa, desesperadamente, de chamar a atenção, ainda que com um texto vil.
No curso da treta, disse a Telles que não se trata de gostar ou não de Bowie. A questão central, nestas discussões, é reconhecer a grandeza de quem, como Bowie, não uma unanimidade, que aliás não existe, mas um consenso.
Exemplifiquei.
Você pode não gostar de Machado de Assis. Mas não pode ignorar sua estatura. O mesmo vale para qualquer artista. Picasso? detesto. Mas sei que ele é gigante.
As redes sociais empurram você a falar. Mas a regra de ouro é a seguinte: quando você não tem nada a dizer, fique calado.
No caso em questão, Lelê Telles não tinha contribuição nenhuma sobre Bowie, dado o seu amplo, geral e irrestrito desconhecimento sobre ele. Ele sequer sabia se Bowie vivia ou não.
Não tinha uma música para destacar, uma passagem em sua biografia para rememorar: nada, nada e ainda nada.
Mesmo assim, se achou na obrigação de falar alguma coisa. De pontificar. De dizer ao mundo que jamais dançou ouvindo Bowie e nem pôs um disco seu na vitrola.
Alguém fora ele está interessado nisso? Ainda mais neste momento?
Nem preciso dizer que Lelê Telles não aceitou meus argumentos, e devolveu com novas amostras de desconhecimento e ignorância.
Citou várias bandas punk semidesconhecidas em oposição a Bowie sem saber que o movimento punk deve muito, e coloque muito nisso, a Bowie.
Por querer ser diferentão, Lelê Telles foi, simplesmente, patético. Por (tentar) fazer graça com um morto tão universalmente amado, foi grotesco.
A regra de ouro, nas redes sociais, é: não queira ser diferente, sobretudo se o que vai diferenciá-lo é um embaraço, como foi o caso.
Quanto a mim, sei que a música de Bowie o defende melhor que tudo. Mas não poderia me calar diante de tamanho acinte.
Não gosto de tretas. Mas há momentos em que elas se atravessam na sua frente e não há nada que você possa fazer para evitá-las, e aquele foi um caso.