Minha vida de cliente da candidata bolsonarista que passou verba pública para filha, neta e loja. Por Renan Antunes

Atualizado em 23 de fevereiro de 2019 às 10:39
Bolsonaro e Carmen Flores

POR RENAN ANTUNES DE OLIVEIRA, de Porto Alegre

Por duas décadas, através de três ex-esposas, eu fui quase obrigado a ser cliente da loja Carmen Flores, sinônimo de classe e elegância em móveis entre a classe média gaúcha – até a proprietária da marca associar seu nome a Bolsonaro.

Dona Carmen sempre foi a estrela da propaganda de sua loja da Avenida Ipiranga,ao lado da PUC-RS. Nos bons tempos, ela chegou a ter uma dezena de filiais e franquias em Porto Alegre e interior.

Por uns 20 anos ela foi ubíqua ofertando sofás na TV, cartazes e anúncios nos jornais. Hoje, embora o nome seja mais conhecido do que as Casas Bahia, seu império se reduziu a duas lojas.

Parece que ela sabia o quanto esta exposição no varejo de sofás um dia lhe renderia no campo político, se atrevendo a lançar todo peso do seu “Carmen Flores” ao Senado em dobradinha com Bolsonaro.

Embora nova na cena política, ela tinha mais expectativa de votos do que Bolso no RS. Numa frase: duvido que algum gaúcho com dinheiro na guaiaca não tivesse ouvido o nome dela antes, e muito antes de Jair Bolsonaro chegar chegando.

A marca era tão forte que ela foi de 3 mil votos para deputada em 2014 pelo PP para fantásticos 1,5 milhão de votos, em 2018. Quase chegou lá, derrotada por duas raposas velhas da política.

Eu digo que ela é a rainha dos sofás porque se especializou naquele móvel que você procura quando chega em casa cansado –  ela fez fortuna com seu cochilo.

Carmen Flores ostentava e dava a impressão de solidez.

Qualquer rega-bofe do Clube de Diretores Lojistas e lá estava ela. A Globo/RBS convidava seus anunciantes para um camarote, dê-lhe Dona Carmen – agora perto dos 70, não notei quando foi que deixou de ser apenas Carmen para incorporar o respeitoso dona.

Ela começou humilde vendedora numa loja do outro lado da rua, bem na frente de onde hoje tem a sua. Saiu daquela empresa, pegou a indenização e abriu a própria birosca, crescendo até abrir sua loja atual – no caminho, perdeu toda poupança no confisco do Collor.

Os números não mentem: dona Carmen enriqueceu mesmo nos anos em que os pobres deram uma remediada e passaram a voar e a comprar carro em 48 vezes. Sabem, né? Anos Lula e início do governo Dilma.

Entre 2002 e 2013, Carmen Flores chegou a ter seis filiais, uma deles sua “loja ostentação”, na praia de Xangri-lá. Lá, casas de 20 milhões são banalidades, com o pessoal precisando mobiliar as mansões.

Parece uma maldição: desde o golpe que derrubou Dilma a carteira de clientes dela encolheu. Hoje, a filial de Xangri-lá naufragou. Tudo está em liquidação, porque o imóvel é alugado e já não rende mais. Uma gerente está encarregada do fechamento, no fim do verão.

Aliás, um dos últimos negócios desta filial, distante 120 km de Palegre, virou manchete. Foi a venda de móveis para o diretório do PSL, com dinheiro do Fundo Partidário, a verba pública destinada à propaganda política dos candidatos, dinheiro manejado por ela.

As dificuldades da loja talvez expliquem porque dona Carmen Flores, presidente do PSL-RS, resolveu comprar móveis na loja Carmen Flores Xangri-lá.

O nome dela como presidente do PSL regional surgiu num estalo de Onyx, que fez a cabeça de JB. Ela pulou do PP direto para a cadeira de presidente do PSL e dali como candidata ao Senado.

Aparentando riqueza e exalando confiança, parecia ideal para presidir o PSL na aventura do 17.

Hoje ela renega o passado. Já renunciou ao cargo e abandonou o partido: “Nunca quis me eleger, apenas dei meu nome para que ele (JB) tivesse tempo de televisão”, disse no início da semana, depois que foi flagrada pagando filha e neta com o mesmo dinheiro público que recebeu do Fundo Partidário para fazer sua malfadada campanha.

O clique do nosso repórter Renan Antunes na loja de Carmen Flores

Além do dinheiro dos móveis de Xangri-lá, quase 36 mil, ela deu mais 40 mil para a filha Maribel a título de locação da sede do PSL, um puxado da loja da mãe.

Numa nota cômica: deu 1155 reais para uma neta – quase o mesmo preço de uma poltrona retrô amarela que exibia na vitrine da loja.

Eu passei a tarde de sexta na loja, conversando com clientes e funcionários – havia mais destes do que daqueles.

Soube que dona Carmen deixou o negócio para a filha e só fica por trás, nas grandes decisões.

Mal cumprimenta os funcionários quando passa – e não faz mais perguntas nem estimula o pessoal, mostrando que baixou a guarda.

Ela ainda conta com um núcleo pequeno de gerentes leais, gente da velha guarda, que tocam o negócio. Uma vendedora mais nova disse que “não votei,  nem votaria nela”, mas deixamos o nome dela de fora desta história.

Dona Carmen acha que não fez nada errado ao mandar grana do fundo partidário para a família. Deixou as explicações com o advogado – e o advogado disse que quando o TRE-RS. julgar as contas, se e então, ele vai falar. Previsão, 31 de outubro de 2019.

Não sei se a grande loja de móveis Carmen Flores que minhas ex-mulheres adoravam estará aberta até lá.

Notei toques de decadência no interior – mesmo que uma champagne com o nome dela ainda esteja ornando as mesas, entre taças de cristal.

É que a concorrência popular está pulando na jugular.

Um shopping de sofás abriu do lado dela. Uma penca de lojas maiores e mais ostentação surgiram no pedaço, vendendo tudo em 24 vezes.

Amigos dizem que, com o capital político das últimas eleições, talvez ela concorra à Câmara de Vereadores de Porto Alegre no ano que vem. Em busca de uma aposentadoria confortável, longe das incertezas do comércio.