Minha vida na Londres do lockdown total, onde tudo parecia sob controle. Por Sara Vivacqua

Atualizado em 9 de janeiro de 2021 às 10:27
Sara Vivacqua e seu encontro solitário com Van Gogh

Kiko Nogueira me pergunta sobre minha experiência pessoal sobre ser uma confinada em Londres.

Eu diria que, exceto nos dias em que cobri o julgamento de Assange, estou há 10 meses trabalhando de casa com uma nova secretária (Pimba, a gata) e com algumas memórias vagas sobre a vida em sociedade.

Já não me lembro da última vez em que vi um amigo pessoalmente ou fui a um bar ou restaurante ou que usei roupas de sair, perfume ou fiz atividade física, assim como tantas outras pessoas no mundo.

Mas o confinamento tem muito sentidos. Pode ser um abandono ou um resguardo, dependendo do lugar do mundo onde estamos e que lugar social ocupamos.

Durante semanas as ruas londrinas abarrotaram-se de pessoas fazendo compras de Natal sem a obrigatoriedade das máscaras.

No único dia em que saí fui surpreendida por uma multidão de jovens bebendo e dançando, artistas de rua cantando e gente assistindo uma cerimônia Hare Krishna, que geralmente é ignorada pelo público.

Abaixo, a Regen Street em dezembro:

A alegria era contagiante e foi difícil voltar para casa.

Mas, dias antes do Natal o Reino Unido, a cidade foi surpreendido pela nova lei do coronavírus ordenando o lockdown e proibindo as celebrações fora da chamada “bolha de proteção” para atividades que não sejam essenciais.

Hoje o Reino Unido reconhece a conta de infectados e óbitos da omissão tenaz que comecou em março. Ignorou repetidos alertas da sua comunidade científica, preferindo certificar a imunização de rebanho.

Negou ajuda da comunidade europeia para compra de respiradores, abrindo uma solicitação ilegal para que um dos financiadores do Brexit, a marca de aspiradores de pó Dyson, brincasse de desenvolver o produto medico.

O NHS, SUS britânico, que há mais de 16 anos vem tendo seus gastos cortados, teve que ver deixar morrer muitos em suas casas.

O protocolo das ambulâncias era atender apenas a falta de ar aguda, para evitar as manchetes negativas.

Uma médica do NHS me contou chorando que a maioria dessas pessoas não precisavam ter morrido se tivessem sido trazidos antes, mas o sistema tinha que parecer sob controle.

Agora, o Reino Unido foi o primeiro a anunciar a vacinação para gritar ao mundo da boca de um ministro no Twitter que os cientistas britânicos eram melhor que os europeus e que o Reino Unido é melhor sem a Europa.

Apenas posso esperar que ficar em casa signifique olhar para dentro, e que quando saiamos de novo ao mundo, que tenhamos aprendido a olhar uns para os outros.

Eis a Londres do lockdown total: