Minhas aulas com Dr. Eberlin, cientista criacionista que defende cloroquina. Por Charles Nisz

Atualizado em 24 de janeiro de 2021 às 16:22
Marcos Nogueira Eberlin. Foto: Reprodução

Nesta semana, um áudio circulou pelo Whatsapp com uma crítica feita às vacinas contra a Covid-19 feita por Marcos Eberlin, ex-professor do Instituto de Química da Unicamp. Referência no campo da espectometria de massas, Eberlin, um cientista evangélico, usa da sua posição de cientista para referendar absurdos pseudocientíficos. 

Com duração de seis minutos, o aúdio destila preconceito e xenofobia ao fazer um ranking das vacinas (Oxford, SputinikCoronavac e Pfizer). Ao falar das duas primeiras, Eberlin diz que “essas vacinas usam adenovírus que carregam informações para dentro da célula e irão editar o DNA”. Mistificação digna de qualquer grupo de Whatspp. 

De forma implícita, há crítica à vacina Sputinik simplesmente porque o imunizante é produzido na Rússia, numa clara demonstração de xenofobia e anticomunismo tosco. Já para criticar a Coronavac, cujo insumo é de origem chinesa, Eberlin diz que a “vacina é feita com um vírus inativado, havendo o risco do paciente se contaminar com a covid”.  

Por fim, Eberlin faz uma defesa velada da vacina da Pfizer, uma vacina de RnaEberlin diz que “a vacina da Pfizer foi desenvolvida por empresas de alta tecnologia, como a Biontech”. O ex-professor da Unicamp fez seu pós-doutorado na Universidade americana de Purdue (EUA). A crítica às vacinas inglesas, russa e chinesa é análise ou lobby pró-EUA? 

Eberlin tem doutorado em química e portanto, tem noção do princípio elementar de funcionamento de qualquer vacina. É um agente pouco ativado ou morto da doença, que faz o organismo reconhecê-lo como ameaça e produzir anticorpos. Ou seja, não há risco nenhum na ingestão de qualquer vacina. 

O histórico de Eberlin na defesa de pseudociência é antigo. Fui aluno de Eberlin no curso de Engenharia Mecânica da Unicamp em 2001. 20 anos atrás, Eberlin já defendia pseudociência com o intuito de conciliar Ciência e criacionismo.  

Eberlin já demonstrava de forma ostensiva suas crenças religiosas. Nós, alunos, não entendíamos, e achávamos até engraçado um professor com tanta titulação ser tão crente. Estava ali um dos germes do bolsonarismo – a junção de fé religiosa com pseudociência. 

Na ocasião, Eberlin advogava a tese do Design Inteligente, uma pataquada que tenta explicar supostas falhas na teoria da evolução. O intuito é encontrar sinais de um projeto inteligente nos seres vivos. O arquiteto desse design, seria, obviamente, Deus. 

Se voltarmos na História, veremos que o Design Inteligente surgiu nos EUA como uma estratégia da “guerra cultural” norte-americana. O objetivo era oferecer uma alternativa filosófica ao materialismo e ateísmo da Ciência moderna – e também do comunismo. 

Diferentemente de qualquer teoria científica, o Design Inteligente não foi baseado em dados científicos. Foi a teoria científica – e em larga escala, religiosa – que surgiu primeiro. Isso talvez explique muito das posições anticientíficas de Eberlin – um cientista de grande capacidade técnica, mas com visões obscurecidas por suas posições religiosas e políticas. 

Mas essa não é a primeira vez que Eberlin usa de sua posição acadêmica para defender disparates pseudocientíficos. Ainda no debate sobre o coronavírus, o cientista assinou uma carta, junto com outros 25 pesquisadores, defendendo o uso da hidroxicloroquina para tratar a covid-19. 

Assim como muitos outros pesquisadores, Eberlin “argumenta” que não há estudos científicos definitivos sobre o uso da cloroquina no tratamento de pacientes com covid-19. Os fatos mostram justamente o contrário – nesta semana, Ddider Raoult, cientista francês cujo estudo sobre o tema foi pioneiro, admitiu que a cloroquina não reduz a mortalidade da doença. 

Também é utilizado o argumento de que os efeitos colaterais da cloroquina são mínimos. Na verdade, médicos e pacientes relatam sintomas severos causados pelo coquetel de remédios batizado de tratamento precoce contra a Covid. 

A desastrada defesa da cloroquina termina com um apelo psuedojurídico. “Se não sabemos se a cloroquina salva ou não vidas, então in dúbio, pro reo”. 

Quase no final da carta, Eberlin se revela: “Não encontrei até agora nenhum crítico da cloroquina que não fosse de esquerda, combata o atual presidente do Brasil e, via de regra, não seja favorável ao desastrado #FiqueEmCasa”. Quem, afinal é ideológico?