Ministra francesa posa para a Playboy em meio a protestos contra reforma da previdência

Atualizado em 3 de abril de 2023 às 11:00
“Uma ministra livre”: Marlène Schiappa estampa a capa da Playboy. Crédito: BFMTV

O governo Emmanuel Macron conhece uma pequena nova crise num contexto em que se agravam as tensões em torno da sua contestada reforma da previdência. A ministra francesa da Economia social e solidária e da vida associativa Marlène Schiappa concedeu uma entrevista à revista Playboy, provocando críticas da oposição e de membros do próprio governo.

Na entrevista, a ex-ministra da igualdade entre mulheres e homens e da luta contra as discriminaçoes fala de feminismo, ausência de liberdade das mulheres no Afeganistao, aborto e direitos LGBT. Capa da edição que vai às bancas na próxima quinta-feira, a ministra aparece de vestido branco e alguns detalhes com as cores da bandeira nacional (azul, branco e vermelho).

Em meio às críticas da oposição, a questão chegou ao governo. De acordo com o canal BFMTV, a primeira-ministra Elizabeth Borne telefonou para a Schiappa para criticar sua atitude, que a líder do governo julgou “inapropriada, sobretudo no período atual”.

Há mais de dois meses, Emmanuel Macron e seu governo são alvo de manifestações e violência nas ruas da França contra a reforma imposta pelo Executivo por decreto, sem o voto do parlamento, elevando a idade mínima da aposentadoria de 62 para 64 anos.

Segundo a imprensa do país, a entrevista foi concedida há mais de um mês, sem que o governo fosse informado, o que, além de pouco habitual, é interpretado como sinal de “cacofonia” dentro do governo.

Alguns veículos do país, como a rádio RTL, se perguntam se Schiappa pode ser demitida.

Marine Le Pen aproveitou o momento para atribuí-lo ao próprio presidente Emmanuel Macron, que concedeu na semana passada uma entrevista a uma revista infantil.

“Não é o papel. A partir do momento em que o presidente da República dá uma grande entrevista em plena crise política e social à Pif Gadjet, eu penso que os ministros se sentem um pouco livres para fazer qualquer coisa”, declarou a líder da extrema direita.

A deputada ecologista Sandrine Rousseau disse a um programa de TV que a entrevista é uma “cortina de fumaça” para as crises do governo.

“Eu duvido muito da sinceridade do combate feminista de Marlène Schiappa, mesmo se eu sempre desejo estar em sororidade com todas as mulheres na política”, criticou Danielle Simonnet, deputada do movimento La France Insoumise, da esquerda radical.

A ministra se defendeu nas redes sociais. “Defender o direito das mulheres a dispor de seus corpos, é em qualquer lugar e sempre. Na França, as mulheres são livres, mesmo que isso não agrade aos retrógrados e aos hipócritas”.

Marlene Schiappa foi parar nos assuntos mais comentados do Twitter na França.

É de se estranhar num país em que o símbolo nacional é o de uma mulher com seio nu. Por um lado, longe de apoiar o governo neoliberal autoritário de Macron, é preocupante que figuras da esquerda se valham desse tipo de entrevista para atacá-lo. Pode ser o perigoso sinal de um puritanismo que cresce dentro da esquerda. Seria uma vitória camuflada dos reacionários.

Além do mais, os ataques às mulheres políticas têm uma dimensão global. Os ataques de Bolsonaro a Macron visaram a aparência de sua esposa.

Na Finlândia, a primeira-ministra Sanna Marin, derrotada na tentativa de se reeleger na eleição deste domingo, foi submetida a um teste de drogas depois que vazou nas redes sociais um vídeo em que ela aparece dançando com amigos numa festa.

Em sua visita à Nova Zelândia, em coletiva de imprensa com a primeira-ministra Jacinda Ardern, esta foi perguntada por um jornalista se havia algo particular pelo fato de terem a mesma idade, suscitando a indignação da trabalhista, pois o mesmo de tipo de pergunta não havia sido feito em meio à visita de políticos homens.

Expressões da força de um reacionarismo que insiste em sobreviver.


Willy Delvalle
Mestre em Sociologia e Filosofia Política pela Universidade Paris 7. Formou-se em Comunicação Social: Jornalismo na Unesp. Em São Paulo, foi professor voluntário de português a imigrantes e refugiados. Atualmente, cursa mestrado em União Europeia e Globalização na Universidade Paris 8