Mino Carta escreve sobre a morte de Maradona e a vitória do Centrão: fica claro que craque não era brasileiro

Atualizado em 6 de dezembro de 2020 às 12:05
Maradona e Sócrates na Copa de 1986

O jornalista Mino Carta escreveu um texto brilhante sobre Maradona e a vitória no Centrão nas eleições Municipais. O subtítulo resume bem o texto:

“Não adianta resistir, o Centrão ganha sempre e fica claro que Maradona não era brasileiro”

Por aqui, se dizia que Deus era brasileiro. Se era, renegou o país, como vê pela vitória dos capatazes da casa-grande. Segue o trecho final do artigo do diretor da Carta Capital:

O que interessa é ganhar, não importa como. Nada é tão simbólico do pensamento nativo e a história do Brasil não me deixa mentir. Carregamos o legado da escravidão, recheado pela retórica dos bandeirantes desbravadores, caçadores de esmeraldas, de verdade empenhados em matar índios e escravos fugidos. Mas ostentamos também a ação de um exército de ocupação, disposto, sempre e sempre, ao golpe a bem dos ricos e contra os pobres, cada vez mais reduzidos a plebe rude e ignara.

Há brasileiros notáveis, destacados de todos os pontos de vista, de Machado de Assis a Guimarães Rosa, de Castro Alves a Euclides da Cunha, de Gilberto Freyre a Raymundo Faoro etc. etc. Falo de quem dissertou agudamente a respeito do Brasil. Tudo, entretanto, é vão, como a resistência impávida do Conselheiro. Neste exato instante, o resultado das eleições municipais consagra a enésima entrega do País às velhas oligarquias que se abrigam atrás do chamado Centrão.

Temos de nos desculpar pela crença ingênua manifestada na semana passada ao acreditar na união das chamadas esquerdas ou, se quiserem, das forças progressistas. Nada é mais forte do que a casa-grande em um país no qual também permanece de pé a senzala. Nunca deixamos de regressar a uma espécie de origem indestrutível, a nos negar qualquer contemporaneidade do mundo para afirmar peremptoriamente a nossa medievalidade.

Nesta parada só ganha mesmo o chamado Centrão, ao acolher a derradeira, lamentável versão do MDB, os senhores do DEM, os escombros do tucanato, os arrivistas à João Doria. Diante dos irredutíveis donos do poder todos perdem, de Bolsonaro à tentativa de união à esquerda. Já me advertia o fraternal amigo Raymundo Faoro a respeito de uma sina inescapável, a induzir a tibieza e a resignação daqueles que ainda estão habilitados a percebê-la.

Este meu texto insólito me impeliu na direção de Maradona e nem eu sei bem por quê. Talvez nas entranhas me toque, diante do pesar dos nossos jornalistas esportivos, a consideração de que o mestre da bola argentino jamais poderia ser brasileiro. No fundo, trata-se de uma consideração dolorosa a exibir diferenças acabrunhadoras. Os ditadores argentinos acabaram na cadeia, os nossos são até nomes de pontes e viadutos. Aliás, há um município na região metropolitana de Manaus que foi batizada de Presidente Figueiredo. O Brasil exportou os seus torturadores para o Chile e outros rincões latino-americanos, perfeitos intérpretes e seguidores pontuais da ferocidade dos capatazes da casa-grande. Estão em jogo tradições e vocações irrefreáveis. E nesta moldura torna-se impossível imaginar o futuro. A se considerar, porém, o presente, a repetir exaustivamente o passado, o momento não se afigura favorável a profetas otimistas.

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