Moraes e Gonet dominam julgamento histórico; advogados entregam vexame no STF

Atualizado em 2 de setembro de 2025 às 21:12
Alexandre de Moraes sério, segurando microfone e falando sem olhar para a câmera
O ministro relator Alexandre de Moraes, na sessão do STF de julgamento de Bolsonaro e de mais sete réus da trama golpista – Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Por Washington Araújo

O primeiro dia do julgamento da trama golpista no STF começou com a moldura histórica dada pelo relator. Alexandre de Moraes ancorou o processo na evidência: “Elementos reunidos na instrução são sérios e demonstram materialidade e indícios de autoria”, disse, antes de sublinhar a regra de ouro do devido processo: “Havendo prova da inocência, ou mesmo qualquer dúvida razoável…, os réus serão absolvidos”.

Em paralelo, avisou que “impunidade, covardia e omissão não são caminhos para pacificação” e que “a soberania popular jamais será negociada”. Foi uma abertura que trocou a retórica pela pedra dos autos.

Na sequência, Paulo Gonet, procurador-geral, falou sem floreios. Classificou as articulações como “atos espantosos e tenebrosos” e tratou de afastar a tese de fantasia conspiratória: “Não se está diante de um devaneio utópico: gente de carne e osso planejou, reuniu-se e agiu”.

Ainda, sobre a autoria, lembrou que “não precisamos do autógrafo de ninguém num decreto para saber quem o articulou”. Foi acusação com lastro jurídico e memória de 8 de janeiro, não um panfleto.

À tarde, vieram as sustentações — e nelas se viu muito do país que ainda patina entre a gravidade do crime e a precariedade da defesa. O caso paradigmático foi o do almirante Almir Garnier, defendido por Demóstenes Torres. Em 22 minutos iniciais, ainda não tinha citado o nome de seu cliente e abundaram salamaleques e histórias, com risos de plateia, antes do primeiro argumento técnico.

Do próprio tribuno, com jeito de animador de auditório, saíram pérolas: “É possível gostar do ministro Alexandre de Moraes e ao mesmo tempo gostar do ex-presidente Bolsonaro? Sim, sou eu essa pessoa”; e a imagem picaresca do ex-presidente, “passou… com a mochila… parecendo um soldadinho de chumbo”.

Noutra hora, ofereceu-se a levar “cigarro” a Bolsonaro se preciso fosse. É o juízo que brinca à beira do abismo — e isso diz muito sobre a indigência mental defensiva que se viu.

A defesa de Mauro Cid, por Cezar Bittencourt, alternou estratégia e galanteria. Primeiro, rasgou seda a Luiz Fux: “Sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre simpático, sempre atraente…”. Mais um pouco e poderia pedir o ministro em casamento. Depois, só voltou ao ponto central: preservar o acordo e a utilidade da colaboração (“Cid jamais faria algo para comprometer o acordo”). Há método — mas também cálculo. Muito cálculo.

Alexandre Ramagem foi apresentado não como ideólogo, mas como datilógrafo do poder. “Ramagem não era um ensaísta de Jair Messias Bolsonaro”, disse o advogado; “quando muito, era o grande compilador oficial da República”. A narrativa tenta reduzir conteúdo e intenção dos textos localizados, tomando-os por “anotações pessoais”.

STF no primeiro dia de julgamento de Bolsonaro e de mais sete réus da trama golpista
STF no primeiro dia de julgamento de Bolsonaro e de mais sete réus da trama golpista – Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

É uma defesa que mira a atenuação da periculosidade. Saudade daqueles rábulas do passado que, mesmo sem diploma, faziam defesas espetaculares em Tribunais de Júri em dezenas de cidades do Brasil profundo.

Já Anderson Torres apostou no exotismo: a “minuta do golpe” seria apenas “minuta do Google”. A peça, que a PF encontrou em sua casa, virou “rascunho” sem dono; e, confrontado com o áudio “depois que der merda, não muda nada, não”, a defesa tratou de desidratar contexto e autoria. O tribunal, porém, não julga alcunhas, julga fatos.

É nesse ponto que preciso abrir um parêntese pessoal. Sou filho de advogado, irmão de advogado, pai de dois advogados, e essas circunstâncias familiares só fizeram aumentar o tamanho da minha vergonha pela qualidade das defesas apresentadas hoje na Suprema Corte.

Em alguns momentos parecia que eles tinham sido alvo de sucessivas pedradas pontiagudas na cabeça: não falavam coisa com coisa, não tinham noção alguma sobre colocar de pé uma argumentação jurídica.

Alguns se perdiam em devaneios e narrativas surreais, non sense, que nada tinham a ver com a defesa de seus clientes. Parece que foram contratados no laço durante as comemorações dos rodeios de Barretos. Lembram daquelas pessoas que não perdem a oportunidade de passar vergonha? Foi isso que aconteceu.

A qualidade da atuação dos ministros Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia e do procurador-geral Paulo Gonet contrastava profundamente com a ausência de atuação adequada por parte dos defensores dos réus. Isso me fez lembrar um episódio surreal no início desse mesmo processo, quando um advogado da defesa, em sua sustentação oral, citou o livro O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exupéry como sendo de Nicolau Maquiavel.

Nesses momentos, questiono qual a real utilidade da Ordem dos Advogados do Brasil. Sério, a advocacia brasileira precisa de um freio de arrumação urgente.

E, a propósito, no dia do julgamento do mais importante processo para o futuro da democracia no país, a OAB nem se dignou a emitir uma nota se posicionando em favor do Estado Democrático de Direito, em defesa da nossa Constituição cidadã. Saudades de Raymundo Faoro, Sobral Pinto, Vital do Rêgo (pai), Heleno Fragoso. Tristes tempos esses.

E havia o “x” do dia: a corte observou, e os advogados miraram, Luiz Fux. Não por acaso, foi o ministro mais cortejado na tribuna. A aposta é pragmática: Fux (sim, aquele mesmo do brocado latino In Fux, We Trust) pode divergir sobretudo na dosimetria e, eventualmente, na forma de tipificação (absorção entre tentativa de golpe e abolição do Estado de Direito), o que reduziria penas.

Daí a bajulação explícita da defesa de Cid e a diplomacia de outros patronos — olhares interesseiros plantados na possibilidade de um voto parcialmente dissonante.

Em suma: um primeiro dia que separou, com nitidez, o peso da prova da leveza farsesca. Moraes e Gonet falaram pela República — “indícios de autoria”, “não é devaneio” —, enquanto quatro bancas expuseram nervos à flor da pele: uma em tom debochado, outra em modo galanteio, uma terceira reduzindo-se a diário íntimo, e uma quarta apelando à “minuta do Google”.

O julgamento é do Brasil que escolhe se democracia é cláusula pétrea ou papel para rascunho.