Moro apelou para associação de “juristas evangélicos” fundada por Damares que faz lobby de “valores cristãos”

Atualizado em 2 de agosto de 2019 às 12:13
Congresso da ANAJURE

PUBLICADO NO PORTAL PUBLICA

POR CAROLINA ZANATTA

“Com todo respeito ao Supremo Tribunal Federal, eu pergunto: existe algum, entre os 11 ministros do Supremo, evangélico? Cristão assumido? Não me venha a imprensa dizer que eu quero misturar a Justiça com religião. Todos nós temos uma religião ou não temos. E respeitamos, um tem que respeitar o outro. Será que não está na hora de termos um ministro no Supremo Tribunal Federal evangélico?”, disse o presidente Jair Bolsonaro no dia 31 de maio durante um evento realizado na congregação Madureira da igreja Assembleia de Deus.

A declaração, motivada pelo julgamento da criminalização da homofobia, aprovada no dia 13 de junho pelo STF,  foi recebida com aplausos pelos presentes. No mesmo dia, em concordância com o presidente, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) emitiu uma nota pública comentando a fala de Bolsonaro: “[…] a ANAJURE entende, em consonância ao Presidente Bolsonaro, que há um crescente e preocupante ativismo judicial por parte do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos anos, em especial, acerca de questões morais de impacto social”, diz a nota. No documento, a associação declara que não pretende necessariamente que um protestante venha a se tornar um dos membros do órgão de cúpula do sistema judicial “a fim de influenciá-lo por sua condição de religioso”. No entanto, afirma que almeja que o STF e demais órgãos de cúpula do Poder Judiciário “tenham juízes que respeitem e se balizem pela Constituição Federal do nosso país, professem eles uma religião ou não, eximindo-se de aderir, sem a devida reflexão” ao que chama de uma onda “pouco democrática, do ativismo judicial”.

A Anajure, que hoje conta com cerca de 700 membros, foi fundada em 2012, no Auditório Freitas Nobre, na Câmara dos Deputados em Brasília, por um grupo de juristas evangélicos. Entre eles estava a ministra de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, que foi homenageada na ocasião pelos “mais de 20 anos de atuação em favor de causas cristãs e do direito à vida e da família”. Entre os objetivos da Anajure está o de “defender as liberdades civis fundamentais”, o de “constituir-se como uma entidade de auxílio e defesa administrativa e jurisdicional das igrejas e denominações evangélicas, em especial, nos casos de violação dos direitos fundamentais de liberdade religiosa e de expressão” e o de “constituir-se como um fórum nacional de discussão sobre o ordenamento jurídico brasileiro, sobre os projetos de lei em tramitação, sobre as propostas de políticas públicas governamentais, especialmente no que diz respeito aos deveres e direitos humanos fundamentais”. Nesse sentido, a organização tem atuado de forma incisiva nas Câmaras Legislativas, colaborado em projetos de lei, ajudado a impedir votações, participado de audiências no STF – principalmente em pautas como a descriminalização do aborto e a criminalização da homofobia – e angariado aliado poderosos no governo Bolsonaro, como a agora ministra Damares Alves, e o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. A Anajure, aliás, lançou nota em apoio ao ministro depois que reportagens do The Intercept Brasil divulgaram sua relação de proximidade com o procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Moro e Damares participaram juntos do 6o Congresso Internacional sobre Liberdades Civis Fundamentais da Anajure, no último dia 8 de maio no auditório do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

Congresso com Moro e Damares

Na manhã daquela quarta-feira, o público lotou o auditório do STJ em Brasília para acompanhar a sexta edição do congresso promovido anualmente pela Anajure em parceria com a Universidade Presbiteriana Mackenzie. Moro, Damares e o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida, estiveram na mesa de abertura do evento, que até então nunca havia contado com a presença de um ministro de Estado.

O saldo do congresso foi positivo para Moro: na ocasião, seu pacote anticrime recebeu apoio da Anajure. O presidente da associação, Uziel Santana, entregou a ele uma nota oficial assinada por mais de 700 juristas, entre os quais diretores, coordenadores e associados. Antes disso, o ministro falou sobre os principais pontos da proposta – como o excludente de ilicitude para policiais em serviço, um de seus itens mais polêmicos – e garantiu que, apesar de ter “plena convicção” de que crime não se combate somente com mudanças legislativas, “a mudança na lei tem um valor, traz instrumentos melhores para que os agentes da lei possam enfrentar esse problema”.

Mas apoio não foi só o que Moro ganhou no evento: integrantes da associação evangélica Gideões Internacionais lhe deram um exemplar do Novo Testamento e oraram junto ao ministro. O advogado-geral da União, André Luiz de Almeida, que também é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, ganhou o mesmo presente.

Já Damares Alves, uma das fundadoras da Anajure, afirmou que sua gestão vai “trabalhar muito na defesa de todos os templos” e que “todos têm direito ao culto e à liberdade religiosa nessa nação”. A Anajure aproveitou a ocasião para entregar a ela o texto-base do quarto Plano Nacional de Direitos Humanos, desenvolvido por uma comissão escolhida e formada pela associação após solicitação da própria ministra. O texto, agora, está sob análise do ministério.

Aliados no Congresso

Na Câmara dos Deputados, a Anajure é membro fundador especial da Frente Parlamentar Mista da Liberdade Religiosa, Refugiados e Ajuda Humanitária (FPMLRRAH), uma reformulação da Frente Parlamentar Mista para Refugiados e Ajuda Humanitária (FPMRAH), fundada em 2015 por requerimento do então deputado federal Leonardo Quintão. Na época, Quintão, que presidiu a FPMRAH, e o deputado Roberto de Lucena investiram R$ 500 mil de suas emendas individuais no Orçamento da União para que a frente fosse criada. Hoje, a FPMLRRAH é presidida por Lucena e tem como diretor executivo Uziel Santana, presidente da Anajure. De acordo com seu texto de apresentação, a frente leva como um de seus objetivos “inserir o Brasil no contexto internacional da liberdade religiosa”.