O dicionário define leviandade como o caráter de quem julga irrefletidamente, sem seriedade. Foi o que fez Sergio Moro, na entrevista à revista IstoÉ desta semana.
“As provas indicam que Lula é o mentor desse esquema criminoso que vitimou a Petrobras. E não se trata só de um triplex. Nós falamos de um rombo de R$ 6 bilhões. O triplex é a ponta do iceberg”, disse, na entrevista conduzida pelo jornalista Germano Oliveira, que assina a fake news publicada em O Globo em dezembro de 2014, que incrementou a investigação que resultou na condenação de Lula.
A reportagem de O Globo é uma cascata de informações comprovadamente falsas, como a de que Lula teria visitado o apartamento três vezes e que o imóvel já estaria pronto para que a família passasse ali o Reveillon daquele ano, e pudesse “ver a queima de fogos, que acontece na orla bem defronte do seu prédio”.
Alguns dias depois, o jornalista voltou a carga, com novas mentiras, como a de que Marisa Letícia havia pegado as chaves do triplex seis meses antes. No processo sobre o triplex, conduzido por Moro, não há depoimento que confirme essa informação nem que Lula tenha visitado o apartamento três vezes.
O fato descrito é que ele esteve ali apenas uma vez, e não aceitou comprar o imóvel. Marisa Letícia esteve uma segunda vez, depois que houve uma reforma conduzida pela OAS, e também não formalizou a aquisição do bem.
Pelo depoimento dos funcionários graduados da OAS, a família de Lula era tratada como potencial compradora — não como proprietária — e a reforma não foi luxuosa, ao contrário do que escreveu Germano. A reforma, com material que não era de primeira, foi feita para tornar o bem mais atrativo.
Um bancário aposentado, Manuel Meneses, de Salvador, incomodado com a notícias na velha imprensa de que o triplex era quase um Taj Mahal, quis conferir.
Na época do leilão ordenado por Moro, inscreveu-se como interessado e o visitou. Tirou fotos para mostrar que o triplex não era nada daquilo que jornalistas como Germano Oliveira apresentavam ao público.
“Eu tive tempo para olhar à vontade e vi que não era nada daquilo que a imprensa escrevia, sem mostrar, apenas dizia o que os procuradores falavam. Uma farsa”, afirmou, em reportagem publicada no DCM.
Para provar o que dizia, fez fotos. O que se vê é um apartamento bem simples
Fora do universo das fake news, o que existia no caso do triplex era a propriedade em nome da OAS, sem que a família de Lula tenha passado uma única noite ali ou levado para o imóvel um bem sequer.
A OAS manteve, inclusive, a propriedade como bem em garantia em duas operações financeiras, uma de recuperação judicial e outra como garantia de empréstimo bancário.
Lula teria que ser o chefe de organização criminosa mais imbecil da história se aceitasse como propina um apartamento de que nem sequer poderia dispor plenamente.
A falta de seriedade presente na declaração de Sergio Moro ao autor da fake news consiste no fato de que Lula foi alvo de uma intensa investigação conduzida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, sem que tenha sido encontrado nada mais consistente além de informações inverídicas publicadas no jornal, que é, inclusive, citado na sentença de Moro.
Se o caso do triplex, usado para a condenação de Lula que o tirou da disputa eleitoral deste ano, é a ponta do iceberg, a investigação conduzida pela Lava Jato deveria ter apontado pelo menos alguns fatos mais contundentes. E não faltou oportunidade para descobri-los.
Lula não teve apenas o sigilo dele quebrado, mas o de seus parentes e até advogados — o que é absurdo e absolutamente ilegal.
Se Lula fosse o grande corrupto que Moro apresenta à IstoÉ, algo comprometedor teria sido revelado. No que diz respeito à escuta telefônica, divulgado em rede nacional, não há nenhuma fala que revele, efetivamente, indício de conduta criminosa.
Na operação de busca e apreensão feita no apartamento de Lula e no sítio de Atibaia, que Lula frequentava, colchão foi revirado, aparelho de TV desmontado, a coifa da cozinha desmontada, e não se achou um número de conta no exterior ou um maço de dinheiro, como se descobre facilmente quando um corrupto de verdade é investigado.
Com Geddel Vieira Lima, foram malas de dinheiro. Em uma ação controlada da Procuradoria da República, foi registrada em vídeo a imagem de malas de dinheiro ligadas direta ou indiretamente a Aécio Neves e Michel Temer.
Com Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, foram encontrados conta na Suíça e registros detalhados de gastos para a manutenção do padrão luxuoso de vida dele e dos parentes.
E com Lula ou seus parentes? Nada, só fake news.
No entanto, ainda magistrado, Sergio Moro se sentiu à vontade para falar que o triplex — que, efetivamente, não era de Lula — é só a ponta do iceberg.
Se, depois de quatro anos, Moro não conseguiu nada além disso, é correto imaginar que não existe iceberg, e que Moro se agarrou ao que encontrou pela frente para poder produzir a condenação de Lula.
Quem tiver dúvida sobre a inconsistência da condenação do ex-presidente no caso do triplex deve ler “Comentários a uma sentença anunciada”, livro organizado pela professora Carol Proner.
Na obra,122 juristas, a maioria sem nenhuma ligação com o PT, condenam a sentença de Sergio Moro.
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Germano Oliveira é o jornalista que, após a condenação de Lula em segunda instância, postou foto na rede social com colegas com um auto-elogio, como se fosse uma versão tropical de Bob Woodward (do Watergate). A foto causou constrangimento aos colegas, que pediram que ele apagasse a postagem.