Moro, Dallagnol e cia.: não adianta mais mentir. Por Eugênio Aragão

Atualizado em 23 de junho de 2019 às 12:11
Sergio Moro

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça

Assim como, no século  XIX, o “combate” da política externa britânica ao tráfico internacional de escravos não tinha qualquer conteúdo moral, também a agenda global de “combate” à corrupção é um engodo.

Os ingleses pouco se lixavam com o destino da mercadoria humana encontrada nos porões dos navios negreiros interceptados em alto mar. Afundavam as embarcações com sua carga, apenas para garantir que não chegasse ao destino.

Hoje, agências de repressão norte-americanas corrompem policiais e procuradores para garantir sua submissão ao programa de aniquilamento da concorrência brasileira no mercado tecnológico de engenharia e prospecção petrolífera.

Transferem-lhes bilhões para criar sua fundaçãozinha, verdadeira arena de Pokémon para exibirem suas chicanas.

Pagam policiais com cursinhos Walita nos EEUU, para que possam comprar espelhinhos e apitos na Times Square. Tudo isso regado a muito elogio pela disposição brasileira de “cooperar”.

Os ingleses fizeram do tráfico negreiro um crime de jurisdição universal à analogia com a pirataria e os norte-americanos impuseram à corrupção como crime de jurisdição universal também, como se crime contra a humanidade fosse – e, na verdade, para eles, foram e são apenas práticas que atrapalham sua posição no mercado. É o vil metal que conduz o discurso falsomoralista, a mentira e o engodo.

Não que o tráfico escravo e a corrupção não sejam condutas abomináveis. O problema é que britânicos continuaram explorando suas colônias a ferro e fogo, submetendo povos inteiros à indignidade desumana e norte-americanos usam seu dinheiro para comprar ditadores e cooptar autoridades de países democráticos a sua agenda de hegemonia global. São sempre os sujos falando dos mal-lavados.

As revelações midiáticas da chamada #vazajato mostram, hoje, claramente o móvel político daqueles que durante cinco anos posaram mentirosamente de salvadores da pátria com o discursinho mequetrefe de “Corrupção Não!”.

Mostram, mais, que a mentira daqueles que diziam combater o crime tinha sistema.

Envolvia grandes jornais, televisão, o procurador-geral da República, magistrados em diversas instâncias, todos mobilizados pelo ódio ao petismo e aos governos que tiraram milhões da miséria sem o protagonismo dos donos tradicionais do poder.

Para os lavajateiros, notícias de corrupção desses caciques cincocentões tinha que ser escondida, “para não melindrar alguém cujo apoio é importante”.

Já interceptações ilícitas de telecomunicações podiam ser tornadas públicas criminosamente para destruir a reputação dos indesejáveis. O importante, como sugeriu uma procuradorazinha, era que o PT não voltasse ao poder. Para isso, toda a mentira valia a pena.

Tudo isso foi dito, feito e provado com a marcha processual, coincidente com as novas revelações do vazamento de conversas entre Moro e Dallagnol. O rei está nu.

A força-tarefa da Lava-Jato é uma escarrada na Constituição: polícia, ministério público e juiz mancomunados na perseguição de atores políticos e econômicos, traindo suas missões na preservação do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal.

Tudo não passa de um projeto corporativo de poder, buscando garantir às respectivas carreiras de estado sua posição no topo da cadeia alimentar do serviço público.

Com seus ganhos líquidos lá para muito além dos vinte mil reais mensais, querem preservar seus privilégios de forma sustentável, num período histórico em que a desigualdade é estigmatizada por governos que têm por programa maior a inclusão social.

Moro e Dallagnol elegeram Bolsonaro como seu general Kornilov – aquele que quis reverter a revolução de fevereiro de 1917 e prender Kerensky e seus mencheviques. A história parece se repetir.

Para os kornilovianos pós-modernos fica, contudo, a advertência: o revisionismo do general e dos burocratas que o apoiaram acelerou a grande mudança com a ascensão dos bolcheviques ao poder em outubro do mesmo ano.

A história, não se pára. Ela atropela quem se coloca em seu caminho. Moro arriscou muito ao abraçar o bolsonarismo. Achava que a vitória da ultradireita que ele propiciou era definitiva. Definitiva, Sr. ex-juiz de piso, é só a morte!

A mentira tem pernas curtas e quem nela se apóia para vencer, vai ter que inventar outra para se manter. Caindo uma, cai todo o castelo de cartas e, com ele, o projeto de poder tão tortuosamente levado a efeito.

Ao invés de negarem a autenticidade dos diálogos revelados, está na hora de se portarem como adultos e assumirem suas responsabilidades.

Moro, Dallagnol e Cia.: não adianta mais mentir!