Moro e o moralismo criminoso. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 17 de junho de 2019 às 10:17
AFP / MAURO PIMENTEL Sérgio Moro chega à casa do presidente eleito Jair Bolsonaro

PUBLICADO NO GGN

POR ALDO FORNAZIERI

Cada um de nós, no nosso pensar, tem a responsabilidade de  decidir o que é certo e o que é errado. Neste terreno, nos situamos num ilimitado relativismo moral subjetivo. Quando agimos, a nossa moral adquire um caráter objetivo e, externamente, ela se submete a duas considerações: 1) ao juízo moral dos outros, seja ele individual, seja aquele social, conformado na moral do senso comum; 2) ao do direito, sacramentado nas leis e na Constituição, que conformam a moralidade objetiva. Assim, a moralidade de uma sociedade só adquire realidade e objetividade mediante as leis, as instituições e a Constituição.

Quando um juiz julga, ou quando um agente público age em nome do Estado, não podem adotar como critério do juízo e da ação a sua moralidade subjetiva, aquilo que ele considera certo ou errado. Aquilo que ele considera certo ou errado ponde não ser considerado certo ou errado por muitas outras pessoas e pode estar em desacordo com as leis e a Constituição. Isto pode configurar um delito, um ato criminoso. Foi precisamente isto o que Sérgio Moro, na sua antiga condição de juiz, o procurador Dallagnol e outros integrantes da Lava Jato fizeram. As revelações do Intercept dissiparam qualquer dúvida a este respeito.

Sérgio Moro não julgou apenas a partir de suas convicções morais próprias e contra a Constituição. Julgou também a partir de um interesse político e material pessoal e de grupo ao estabelecer um conluio ilegal e imoral com Dallagnol e outros integrantes da Lava Jato, como provaram as mensagens divulgadas pelo Intercept. Desta forma, existem duas considerações a fazer.

A primeira se refere ao moralismo. O moralismo de Moro está publicamente estabelecido por declarações, nos autos, em manifestações públicas e em artigos que ele escreveu. O moralista, em regra, é imoral. Ele aplica aos outros juízos que não aplica a si mesmo. Em se tratando de juiz, o moralismo é ainda mais grave porque é criminoso. O moralismo nasce de uma vontade absoluta: julgar os outros e querer conformar o mundo a partir da vontade exclusiva do moralista, desconsiderando a realidade objetiva e a alteridade. Assim, o moralista está possuído por uma vontade totalitária – a de fabricar o mundo e as relações humanas segundo sua vontade. Quando um juiz julga por critérios moralistas, pratica um ato totalitário, executa uma excepcionalidade que está fora do Estado de Direito.

Já se escreveu muito sobre o Estado de exceção. Um dos aspectos desse Estado é fomentado pelo Judiciário: julga-se a partir de critérios emanados do juízo moral do juiz, da interpretação violentada da lei segundo interesses e objetivos políticos e da pressão da opinião pública. Estes juízos, de modo geral, fogem das leis, da Constituição e do direito. Moro incorreu em todas essas práticas, golpeando a democracia, o Estado de Direito e a Constituição. Ele antecedeu Bolsonaro na sanha destrutiva da institucionalidade, da legalidade e da constitucionalidade do país.

A imoralidade de Moro é avassaladora. Condenou Lula por corrupção como forma de camuflar os seus desejos e suas práticas corruptas. Erigiu-se como paladino da moral e herói do país enquanto recebia ganhos salariais muito acima do teto constitucional  e era beneficiário do inescrupuloso, indecoroso e criminoso auxílio-moradia. Os privilégios públicos sempre foram e são uma forma de corrupção. Moro era um corrupto pelos seus privilégios e se corrompeu ao violar os princípios legais e constitucionais no julgamento de Lula.

O juiz moralista, ao julgar pela sua vontade totalitária, privatiza a vontade universal para si e age sempre como se ele fosse o representante de todos. Eleva sua vontade ao trono do país e pela sua reputação de herói, construída através da manipulação da opinião pública, pretende que ninguém lhe oponha resistência, nem mesmo os poderes superiores (no caso o STF, acovardado pela pressão popular, sendo que alguns ministros concordavam com as ideias criminosas de Moro). Essa vontade totalitária, que no fundo é uma vontade de morte, de anular e suprimir o outro, se espalhou de forma significativa no Judiciário e foi fatal para levar ao colapso os mecanismos de limites e travas constitucionais daquele poder. Essa fúria destruidora de Moro, do MP e de outros juízes, se transmutou para o Executivo na figura de Bolsonaro, que não se cansa de destruir mecanismos garantidores de direitos e os precários avanços civilizatórios.

Bolsonaro é a continuidade daquilo que Moro encarnava. Os dois juntos, somados a outros coadjuvantes, no delírio de suas presunções de que são a manifestação da verdade, quando não da vontade divina, se comprazem em perseguir, em destruir e em praticar o mal. Ao marcharem sobre os cadáveres das leis, das instituições e dos direitos que vão destruindo, Moro e Bolsonaro não deixarão nenhum legado positivo. Não podem deixar legados positivos governantes que enaltecem as armas e desprezam os livros; que estimulam o ódio e recusam o diálogo; que semeiam a discórdia e repudiam o convívio democrático; que se movem pelo impulso e assassinam a razão; que elogiam a tortura e sentem repulsa pelos direitos humanos; que amam ditadores e odeiam o povo.

A segunda consideração a ser feita a partir do que já se sabia e que as informações do Intercept confirmam é que Moro e a Lava Jato agiram politicamente o tempo todo, motivados por um projeto político. Estas motivações se compõem de dois elementos claros: impedir que Lula fosse eleito presidente e facilitar a eleição de Bolsonaro. O candidato de Lava Jato e de Moro era Bolsonaro. A ideologia da Lava Jato é uma ideologia de extrema-direita e se coaduna com a ideologia do Bolsonarismo. As mensagens trocadas entre Moro e os procuradores não deixam dúvida de que constituíam um grupo político conspirador. O caráter político desse grupo está mais do que evidenciado com a presença de Moro no Ministério da Justiça e com a presença de mais 18 integrantes da Lava Jato no governo Bolsonaro. Impedir Lula, garantir a vitória de Bolsonaro e integrar o governo era o primeiro ato da estratégia política desse grupo. O segundo, a candidatura presidencial de Moro em 2022.

Moro e Dallagnol, somados a outros integrantes da Lava Jato, incorreram em duas imposturas: a do moralismo imoral e a da ação politicamente motivada. A ação política do grupo mostra o quanto o moralismo era falso, pois acima dessa demagogia criminosa pairava o frio interesse pelo poder, pelo metal, pela promoção e pela vanglória da fama popular. Se transforaram em julgadores que serão julgados, se não pelos tribunais superiores, pois sobre estes também recaem graves suspeições, serão julgados pela opinião pública e pela história. Com as provas já existentes, as páginas da história não haverão de ser benévolas com eles.

A questão que resta diz respeito à tática da oposição, principalmente do PT, para enfrentar as denúncias contra Moro e seu grupo. Uma CPI talvez não seja o melhor caminho. O melhor caminho parece ser o da intensificação da campanha por Lula Livre e anulação do processo, acompanhada da exigência da renúncia de Moro. A renúncia de Moro também deveria se transformar numa campanha. Por outro lado, deve ser feito todo o esforço possível para que Moro e Dallagnol sejam investigados, processados e julgados. Neste ponto se revelará o quanto os tribunais superiores estão corrompidos nos seus princípios, acovardados perante os fatos, submissos às pressões de generais. Os generais também precisam ser confrontados: não podem querer serem os árbitros do jogo político do país. Ou param com as pressões indevidas ou dizem que querem uma ditadura militar. A democracia não pode ter suas instituições tuteladas por generais.