POR CONSTANTE MAGRO
O Ministério Público quer ter acesso a todos os documentos relativos ao rompimento do contrato de Sergio Moro com a gigante multinacional de consultoria internacional Alvarez & Marsal.
Faz todo sentido.
No final de outubro, depois de leiloar tapetes, mesas e cadeiras de sua casa em Washington, o ex-juiz e ex-ministro de Bolsonaro retornou ao Brasil para se filiar ao Podemos e lançar sua candidatura à Presidência da República.
Foi recebido pela imprensa com todo carinho.
O emprego na Alvarez & Marsal — assunto que seria matéria obrigatória — está sendo jogado para debaixo do tapete pela mídia corporativa.
Não pelo DCM.
Com uma curtíssima carreira de advogado, cujo único trabalho foi um parecer contrário à empresa brasileira Vale do Rio Doce e favorável ao magnata israelense Benjamim Steinmetz – mega corrupto que está com prisão decretada e se encontra foragido – Moro foi empregado pela empresa estadunidense sediada na capital federal.
A A&M tem um extenso quadro de sócios e diretores oriundos do serviço público de vários países do mundo, mas sobretudo do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ), da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), das forças armadas dos EUA (principalmente do exército), do FBI e de outros departamentos da estrutura de repressão e espionagem do governo americano; a lista é enorme e é orgulhosamente ostentada no site oficial.
No anúncio público da contratação, divulgado no dia 30 de novembro de 2020, a A&M diz que “Moro é especialista em liderar investigações anticorrupção complexas e de alto perfil, crimes de colarinho branco, lavagem de dinheiro e crime organizado, bem como aconselhar clientes sobre estratégia e conformidade regulatória proativa. Sua contratação reforça o time formado por ex-funcionários de governos”.
Por engano, desconhecimento ou certeza de impunidade, a A&M declara que o ex-juiz “é especialista em liderar investigações”, o que de fato ficou comprovado no farto material divulgado pela Operação Spoofing, mas essa é uma especialidade vedada a um juiz, um tipo de crime não tipificado no Código de Ética da Magistratura, mas que lhe rendeu a condenação por parcialidade no STF.
Além desse comunicado, nada sabemos a respeito dessa contratação.
Qual era o salário mensal, o valor da luva recebida, que trabalhos realizou, quais clientes atendeu, que treinamentos recebeu?
Fora da A&M, ninguém sabe e, pelos termos de confidencialidade usuais das consultorias – que surpreendentemente nunca são vazados -, ninguém nunca saberá.
Em abril, ele foi “promovido para baixo”: de sócio-diretor, virou mero consultor. Em manifestação no processo de recuperação judicial da Odebrecht, a A&M alegou que ele não tinha sequer salário, só honorários por serviços prestados.
O que se sabe é que a família Moro viveu dias confortáveis, abastados e de intenso aprendizado em Washington, centro mundial do poder, onde estão sediados todos os departamentos de controle, repressão e espionagem dos EUA, celeiro farto que alimenta o quadro de colaboradores da A&M.
Mas, como lembrou Moro em recente confronto com a literatura, “há algo de podre nessa contratação”. Consultorias prezam pela discrição e sobrevivem da competência técnica e da confiança que lhes são atribuídas, três atributos muito difíceis de serem encontrados na carreira de Moro.
Quanto à competência, como professor Moro foi inexpressivo e, como juiz, é recordista absoluto em condenações anuladas, além de ser um dos poucos considerados como parcial, crime mais hediondo que pode ser cometido por um agente judiciário.
Desde o início da carreira de magistrado, Moro se especializou em praticar ilicitudes, usando brechas obscuras na legislação – quando um assunto não tem regulação explícita – ou quando falta jurisprudência estabelecida, como foi no caso na condução coercitiva de Lula, mesmo que o artigo 218 do Código de Processo Penal Brasileiro, explicite que ela só é legitima quando é precedida de uma intimação prévia.
Quanto à confiança, saiu do governo Bolsonaro – onde havia recebido o cargo de superministro como prêmio por ter tirado Lula das eleições de 2018 – com a pecha de traidor por ter apunhalado pelas costas o seu chefe.
Quanto à discrição, bem, aí o caldo entorna completamente, não só porque a família Moro habita as redes sociais, mas sobretudo porque a Vaza Jato já havia, à época da contratação, revelado os delitos em série cometidos por ele.
Cabe então a pergunta: por que uma empresa estadunidense contrataria um funcionário tecnicamente desqualificado, não-confiável e bandeiroso?
Por que ela toparia carregar um fardo tão pesado?
Nos EUA é comum e legal que, como uma espécie de prêmio, empresas privadas contratem funcionários públicos que trabalharam em favor de seus interesses, enquanto estavam na estrutura estatal.
O nome desse fenômeno é porta giratória (revolving door, em inglês). Segundo o Dicionário Oxford, a porta giratória se refere à situação na qual alguém se move de uma posição governamental – estatal – importante para uma posição (emprego) no setor privado.
A extensa folha corrida de bons serviços prestados por Moro ao império inclui o recolhimento de mais de R$ 10 bilhões em multas, pagas por empresas brasileiras aos cofres do tesouro estadunidense; a falência de três gigantes brasileiras da construção civil – liberando mercado para empresas dos EUA; junto com o ministro Barroso, foi responsável por abrir o caminho para a eleição de Bolsonaro que, como tem provado todos os dias, é um governo disfuncional operando em favor dos interesses estrangeiros.
Com esse estoque de bons serviços prestados, é razoável suspeitar que ele recebeu um emprego-prêmio numa empresa especializada em revolving door, a A&M.
É possível que Moro sequer teve um crachá da A&M. Por outro lado, como em Washington e cercanias estão Casa Branca, Congresso, CIA, FBI, DoJ, SEC, NSA etc, é razoável suspeitar que ele possa ter vivido um ano sabático, sendo treinado e preparado para atender a convocação dos donos do poder no Brasil, para representá-los na corrida presidencial como candidato da chamada terceira via – que na realidade é a “primeira via do B”, uma derivação orgânica do bolsonarismo, tão fascista e entreguista quanto, mas de banho tomado, sapatênis e pulôver nos ombros.
Recentemente, depois de um mês de ciranda pelo Brasil como candidato à presidência, Moro regressou aos EUA. Foi reabastecer suas energias? Saberemos quando tirar novos coelhos de sua cartola.