Por Moisés Mendes
Sergio Moro pode ter um dossiê contra Bolsonaro. Pode ter grampeado e reunido todas as conversas que teve com o homem.
É provável que tenha documentado tudo o que considera crime e pode até, segundo alguns, acabar envolvido nas próprias acusações, se ficar provado que foi cúmplice ou omisso.
Mas Sergio Moro ainda não é um delator. O que a Justiça passou a chamar de colaborador premiado é um criminoso assumido que aceita contar o que sabe e apontar nomes de parceiros em troca de benefícios.
O mais famoso dos delatores, o doleiro Alberto Youssef, foi tão beneficiado que acabou solto, sem pena a cumprir, pelos acordos que fez com Sergio Moro.
Mas perguntem a Youssef se Moro pode ser considerado da mesma turma. O doleiro vai dizer que não.
Os jornalistas gostaram dessa sacada, repetida todos os dias por alguém, de que Moro teria invertido papeis e virado delator. Está errado.
Moro é o antigo alcaguete. O elemento, na linguagem policial, que dedura parceiros ou conhecidos que cometeram crimes. Também é chamado de cagueta por policiais e pela bandidagem.
O alcaguete pode até se beneficiar informalmente dessa troca de informações e ser protegido pela polícia, mesmo que em desacordo com a lei. Mas ele não é um delator no modelo consagrado pela Lava-Jato.
A Lava-Jato nunca investigou nada, no sentido clássico da investigação. O lavajatismo só seguiu pegadas oferecidas por delatores.
Tudo o que a turma de Moro fez em Curitiba foi baseado em deduragem paga com boas recompensas.
Os delatores a serviço de Deltan Dallagnol e de Sergio Moro tiveram que encarar longas prisões preventivas. Essa era a tática medieval do grupo. Prender, sem prazo para soltar (porque a lei permite) e fazer o preso delatar por não suportar mais aquela situação, mesmo que sem condenação.
Moro virou alcaguete involuntário porque errou o bote. Com certeza, o ex-juiz esperava sair atirando, para deixar Bolsonaro em situação complicada. Queria se reafirmar como justiceiro, mas não esperava a reação.
Ele não achava que Bolsonaro fosse acionar a Procuradoria-Geral da República e exigir provas. Augusto Aras tomou a iniciativa do inquérito para constranger Moro.
Esse é o dilema. Moro, que ainda não é delator, mas pode vir a ser, tem os dossiês, se é que tem mesmo, mas qual é o seu limite?
O que o ex-juiz pode entregar sem também correr grandes riscos? Os alcaguetes profissionais geralmente sabem. Os delatores também.