Moro quer infiltrar policiais no crime, mas esquece dos riscos para a vida do agente infiltrado. Por Sacramento

Atualizado em 13 de abril de 2019 às 14:56
Moro

Para o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, infiltrar um policial em uma organização criminosa é coisa simples e eficaz. Fã de um filminho, como deu a entender ao citar “Donnie Brasco” e “The infiltrator”, ele deveria dar uma olhada na série “Narcos: México” para ver que a realidade é diferente do que ele escreveu no Twitter.

A produção da Netflix sobre origens dos cartéis mexicanos do tráfico de drogas aborda a história real de Kiki Camarena, policial infiltrado no cartel de Guadalajara. Descoberto, foi assassinado após 30 horas de tortura.

Norte-americano de origem mexicana, Enrique “Kiki” Camarena era agente do DEA (agência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos responsável pela repressão ao narcotráfico) no escritório de Guadalajara, no México.

Passando-se por corrupto, aos poucos Camarena conquistou a confiança dos traficantes locais. Mirava os líderes do esquema, para assim quebrar o mecanismo de remessa de cocaína e maconha aos Estados Unidos.

O golpe perseguido por Camarena aconteceu em novembro de 1984, quando centenas de agentes mexicanos invadiram a fazenda El Búfalo. Com mais de 500 hectares e cerca de 10 mil camponeses empenhados no cultivo, colheita e processamento de maconha, era uma das maiores plantações da erva no planeta.

A operação policial executada a partir das informações do agente infiltrado deu um prejuízo de 8 bilhões de dólares ao chefão Rafael Caro Quintero.

Óbvio que haveria reação dos traficantes. Eles investigaram e chegaram ao nome de Camarena. O livro “Zero, zero, zero”, radiografia do mercado de cocaína escrita por Roberto Saviano, conta que o agente foi traído por seus colegas de profissão.

Sequestrado em fevereiro de 1985, Camarena passou por torturas para que entregasse os outros envolvidos na queda de El Búfalo. Não havia mais ninguém, Camarena agiu sozinho. Sem nomes a entregar, foi seviciado até o limite da crueldade humana.

Um trecho de “Zero, zero, zero” dá a dimensão de como o agente do DEA sofreu nas mãos dos torturadores.

“Ligaram fios elétricos em seus testículos e começaram a dar choques. Na fita gravada ouvem-se urros e tombos. Seu corpo era como que projetado no ar pela corrente elétrica. Depois, enquanto tinha mãos e pés amarrados numa cadeira, um dos torturadores premiu um parafuso contra seu crânio e começou a aparafusar. O parafuso entrava na cabeça espanando carne e ossos, provocando uma dor lancinante.”

Quebraram suas costelas. (…) Tinham furado seus pulmões e era como se tivesse lâminas de vidro esburacando a sua carne. Um deles preparou um braseiro, como se fossem grelhar um bife. Aqueceram um ferro ao rubro e enfiaram-no no reto de Kiki”.

Os algozes gravaram toda a sessão de tortura, para não perder nenhuma informação que Camarena soltasse entre gritos e gemidos de dor.

Saviano conta no livro que policiais envolvidos nas investigações do assassinato choravam enquanto transcreviam as informações da fita. Alguns vomitaram. Juízes que ouviram a gravação perderam o sono durante semanas.

O suplício de Camarena derruba as ideias do tweet de Moro. Se infiltrar agentes em gangues fosse eficaz, os cartéis não estariam mais fortes que antes. Fosse simples, Camarena poderia estar vivo, aposentado e quem sabe curtindo os netinhos.