“Moro vai tentar jogar nas costas do Glenn uma receptação”, diz Eugênio Aragão

Atualizado em 26 de julho de 2019 às 14:05
Eugênio José Guilherme de Aragão

PUBLICADO NO PORTAL DA CARTA CAPITAL

POR ANDRE BARROCAL

Em 13 de julho, um consórcio de jornalistas de Porto Rico divulgou conversas privadas obtidas via Telegram pelo governante da ilha caribenha. Ricardo Roselló aparecia com comentários machistas e sexistas em chats com onze homens. A revelação levou a uma onda de protestos populares, e Roselló não aguentou. Em 24 de julho, anunciou que deixará o cargo em 2 de agosto.

É uma história parecida com aquela iniciada em 9 de junho pelo Intercept, noticiador de diálogos tidos no Telegram por Sérgio Moro, ministro da Justiça, reveladores da violação do dever de imparcialidade que os magistrados precisam ter. Com uma diferença: a maioria dos brasileiros até reprova a conduta do ex-juiz, conforme o Datafolha, mas não acha que ele deveria sair do cargo.

Com Moro no Ministério da Justiça e a Polícia Federal (PF) sob seu comando, quem tem a temer é Glenn Greenwald, do Intercept. “Moro é uma pessoa inescrupulosa. Ele não para diante de limites legais”, diz Eugênio Aragão, ministro da Justiça em 2016. “Não há dúvida de que Glenn é alvo do Moro. O que o Moro vai tentar fazer? Vai tentar jogar nas costas do Glenn uma receptação.”

Receptação, explica Aragão, subprocurador da República aposentado, é adquirir algo que, pelas circunstâncias, a pessoa sabe ser produto de crime. O risco da imputação do ilícito a Greenwald está no surgimento de 627 mil reais apontados como movimentação bancária atípica de um casal preso temporariamente em 24 de julho sob a suspeita de hackear Moro e outras autoridades.

Gustavo Henrique Elias Santos e Suelen Priscila de Oliveira tinham renda conjunta de 5 mil reais mensais. A movimentação de 424 mil por ele entre abril e junho de 2018 e de 203 mil por ela entre março e maio de 2019 estaria fora do padrão de renda do casal. Mas também foge de uma hipótese difundida por Moro em 2 de julho, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados.

“Alguém com muitos recursos está por trás dessas invasões e o objetivo principal seria invalidar condenações da Operação Lava Jato e impedir novas investigações. Alguém com recursos porque não é uma tentativa de ataque a um celular, mas de vários, em alguns casos talvez com sucesso. O que não parece corresponder à atividade de um adolescente com espinhas na frente do computador”, disse.

O perfil dos quatro presos está mais para hacker com espinhas. Elias Santos, de 28 anos, é ex-DJ e ex-condenado por posse ilegal de armas. Suelen, de 25, “malemá” fez curso de informática, disse o pai à Folha. Danilo Cristiano Marques é motorista de Uber, faz curso de eletricista, já foi preso por roubo e depôs à polícia acompanhado de uma defensora pública, não por um advogado caro.

Walter Delgatti Neto é o personagem que chama a atenção no caso. Já foi preso por falsificar documentos e por tráfico de drogas, depôs igualmente acompanhado por um defensor público e confessou ter hackeado Moro. Era filiado ao DEM e, segundo seu defensor, queria vender ao PT o material que viesse a obter. Na tarde desta quinta-feira 25, ele confessou à PF que entregou o material ao Intercept sem cobrar por isso.

Para um policial federal especialista em cybercrimes, o que se sabe até agora do quarteto revela um método “tosco” ao alcance de qualquer primeiro anista da faculdade de tecnologia da informação. Segundo ele, o golpe só deu certo pois as vítimas não adotavam cuidados simples de segurança. Longe, portanto, de um grupo sofisticado pago com “muitos recursos”, como Moro havia teorizado.

O ex-juiz tem necessidade de ligar o quarteto ao Intercept, a fim de jogar para o segundo plano a questão relevante: sua violação do Código de Processo Penal quando cuidava da Lava Jato em Curitiba. “Essa operação (da PF contra os hackers) é sobretudo para salvar a carreira do Moro, sua ‘credibilidade’, seu futuro político”, diz Eugênio Aragão.

Uma operação, batizada de Spoofing, precedida de três estranhezas. O delegado da PF responsável pelo caso foi trocado, pois o original não produzia os resultados esperados por Moro. A assessora de imprensa do ministro pediu demissão dias depois – Moro antes pregava o “largo uso da imprensa”, agora briga com a mídia. Na semana anterior à operação, o ex-juiz havia saído de férias.

Ao Congresso, o ministro disse ter deixado o Telegram em 2017. Nas conversas divulgadas pelo Intercept, há material sobre 2018 e 2019. Moro foi vítima de hackers em 4 de junho. Ali Greenwald já tinha conversas do ex-juiz. Mandara um e-mail à Globo em 29 de maio numa tentativa de firmar uma parceria. Informação divulgada em um comunicado da própria emissora em 12 de junho.