Morre Carmita Worms, pioneira do feminismo no Brasil, professora cassada na ditadura

Atualizado em 11 de julho de 2020 às 9:52
Carmita

POR LUCIANA WORMS

Maria do Carmo Salles Barbosa Worms foi uma mulher encantadora que nos deixou dia 7 de julho último.

Nascida em Espírito Santo do Pinhal, interior de SP, em 01 de Fevereiro de 1925, mudou-se após 17 anos para a capital para cursar, como bolsista, Serviço Social na PUC. Isso, por sí só, já seria um grande feito para uma mulher da primeira metade do século XX, tempos em que a mulher estava submetida, taxativamente, ao poder do pai e do marido.

Por sorte contava com o apoio da família nessa empreitada educacional. Em São Paulo montou uma república de jovens pinhalenses, dentre eles o seu único irmão Alcino e o amigo Rogério Lauria Tucci, também estudante da PUC.

Logo que deu início à vida universitária, Carmita, como era carinhosamente chamada, começou a participar do movimento estudantil.

Foi assim que conheceu, nos encontros da Rua Maria Antônia, o companheiro de uma vida inteira, Paulo Alves de Lima, estudante de Física da USP, militante do PCB (na época Partido Comunista do Brasil), de quem adotou o sobrenome e com quem teve 6 filhos: Paulo, Maria, João Carlos, Maria Teresa, Ricardo e Rogério.

Um dos seus primeiros trabalhos no Serviço Social foi em um Centro Para Refugiados do Holocausto, uma das entidades assistenciais judaicas de São Paulo.

Professora do Estado de SP, já com alguns dos filhos crescidos, aos 40 anos, prestou vestibular para Ciências Sociais. Na época em que se podia ter dois números USP ela fez dois cursos simultâneos na Universidade: Ciências Sociais na FFLCH e Arte Dramática, na Escola de Comunicação e Arte.

No início dos anos 60 a família morava em Atibaia. Nessa ocasião ela militou no Partido Socialista e foi sua presidente na seccional de Bragança Paulista.

Em 1963, ela e Paulo tornaram-se professores da Universidade de Brasília após convocação pessoal de Darcy Ribeiro a Paulo para que ajudasse a montar o quadro docente da UNB. Lá ficaram até começar a caça aos comunistas.

Carmita e Paulo tiveram participação intensa na vida dos comunistas brasileiros e na resistência à ditadura. Muitos militantes de esquerda encontraram na casa deles a guarida necessária para criarem disfarces (pintar cabelos, tirar ou colocar barbas e bigodes…) e despistar a repressão.

Como já era de se esperar, a casa ficou visada, Paulo foi preso e, posteriormente, precisou fugir para o Uruguai, no mesmo grupo em que estavam Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Carmita participa da fuga mas consegue retornar ao país para cuidar dos filhos, muitos ainda pequenos.

Carmita também foi presidente do Centro da Mulher Brasileira, um dos grupos embrionários do movimento feminista do Brasil.

Após a anistia, o casal retornou à Universidade de Brasília. Paulo para o Departamento de Física e Carmita para o Departamento de História.

Agora que se escancara a necessidade  do Estado como garantidor da vida e da dignidade dos seus cidadãos, é bom lembrar que Maria do Carmo teve como última bandeira, o trabalho e o empenho, na luta pelo marco legal na construção do SUS no que diz respeito à saúde mental e luta antimanicomial.

Nos tristes momentos em que vivemos, quando o indefensável se apresenta como algo normal, rendamos a nossa homenagem a quem jamais teve motivo para se envergonhar de suas escolhas políticas.

Tia Carmita se vai com a certeza de sempre ter estado do lado certo da história.

A mim cabe a lembrança e o enorme agradecimento por ser, na minha memória afetiva, a primeira feminista que conheci.