Morre o jornalista de extrema-direita J.R. Guzzo, guru do bolsonarismo

Atualizado em 6 de agosto de 2025 às 9:36
O jornalista J.R. Guzzo, morto neste sábado (2) aos 82 anos. Reprodução

Morreu às 5h deste sábado (2), de infarto, o jornalista José Roberto Dias Guzzo, conhecido como J.R. Guzzo. Ele tinha 82 anos e era colunista da revista Oeste, da qual foi um dos fundadores.

Paulistano, Guzzo teve carreira longa e influente no jornalismo brasileiro, com passagens por importantes veículos da grande imprensa do século passado.

Começou a carreira nos anos 1960, na Última Hora. Depois foi para o Jornal da Tarde, dirigido por Mino Carta. Seu nome se consolidou no comando da revista Veja, da qual foi diretor de redação entre 1976 e 1991, período em que a publicação atingiu seu auge em circulação e influência.

Sucedera Mino, cuja cabeça fora pedida pela ditadura e entregue pelos patrões Victor e Roberto Civita. Foram seus anos dourados, numa parceria com o diretor adjunto Elio Gaspari. Ao contrário de Mino, homem de esquerda, Guzzo era conservador e papista. Criou um padrão de texto impessoal na Veja. Nenhuma matéria era assinada e tudo passava por edição pesada. O “Mão Peluda” era imperial, intocável e intratável. A semanal decolou.

Virou um modelo a ser imitado na Abril, montado no sucesso da Veja. Tinha um rol de frases feitas, repetidas pelos subordinados. Cultivava a imagem de indomável. “O fumódromo é onde eu estou”, dizia o fumante inveterado, recusando-se a pitar seu Marlboro nos cantos fétidos que a empresa designou para os viciados.

Saindo da Veja, curtiu um ano sabático e aceitou convite para tocar a Exame. Transformou-a na publicação mais rentável da Abril, em termos relativos. Na Exame, contou com Paulo Nogueira para fazer o trabalho duro (Paulo seria fundador do DCM). Tinha direito a uma parte dos lucros, algo que negociou com Roberto Civita e era inédito na mídia até então. Ficou rico e comprou um apartamento em Paris. Mas havia suspeitas de que seu “pé-de-meia” era sujo.

Encerrado o ciclo na Exame num episódio em que ele foi acusado de corrupção no livro “Notícias do Planalto”, de seu ex-pupilo Mario Sergio Conti, ficou um tempo ganhando para não fazer nada, apenas dando pitaco nas revistas da casa, e tinha uma coluna na Veja.

Foi demitido em 2019 por causa de um texto no qual criticava o STF como fonte de todos os males do país. “Os ministros têm duas opções: decidem pela paz ou pela desordem”, escreveu. Bolsonarismo puro. Canalhice.

Gilmar Mendes era um alvo preferencial de Guzzo. O ministro do Supremo mandou-lhe, certa feita, uma resposta a um artigo viperino, com cópia para o então diretor de redação, André Petry. O e-mail saiu no livro “Os Onze”, de Felipe Recondo e Luiz Weber.

Segundo Gilmar Mendes, o texto parecia perpetrado “por um irresponsável ou por um bêbado”. “Você diz que eu represento o atraso. O que dizer de você, GUZZO, que aparece nos PANAMA PAPERS sem qualquer explicação? Por que você mandou dinheiro para o exterior de forma irregular? Qual a razão? O que você vendeu? Terrenos, casas? Ou artigos e reportagens? Por que escondeu dinheiro nos PANAMA PAPERS? Como jornalista, você exerce função de caráter público e deve explicação”, afirmava Gilmar.

“As pessoas precisam saber que as informações que você veicula não são vendidas nem compradas. Quem é o subdesenvolvido na relação, GUZZO? GUZZO, eu, representante do Brasil atrasado, tenho um apartamento em Lisboa, comprado em 2016. Mandei o dinheiro pelo BANCO DO BRASIL e coloquei tudo no imposto de renda. Nada tenho que esconder. Mas, você, representante do Brasil evoluído, tem conta em offshore, que não está registrada na Receita Federal”.

Era o início da última encarnação de Guzzo, na pele de guru do fascismo, uma espécie de Olavo de Carvalho de blazer. Em 2020, ajudou a fundar a revista Oeste, uma cloaca golpista. Ele se tornara porta-voz de um “mundo morto” — termo que repetia com frequência.

Lá, atuava como conselheiro editorial e principal colunista. Se, no passado, era admirado pelos colegas, passou a ser idolatrado por desqualificados como Rodrigo Constantino, Alexandre Garcia (que Guzzo desprezava, aliás), o escroque Paulo Figueiredo, toda a família Bolsonaro e uma ex-jogadora de vôlei extremista que mora nos EUA e que ele, aparentemente, adotou.

Com sua morte, encerra-se uma trajetória de mais de 60 anos de atuação, marcada por uma  transição entre o jornalismo corporativo e o ativismo ideológico a serviço do que o Brasil tem de pior.

A vida é cruel. Com tudo o que escreveu, editou e gerenciou, J.R. Guzzo será lembrado por um “ensaio” inacreditável na Veja em que detonava o casamento entre pessoas do mesmo sexo (ele era abertamente racista e homofóbico, como o capitão). Essa passagem ficaria imortalizada: “Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar”.

Como ele gostava de dizer: a quem apelar?