Morre Rodrigo Bossi de Pinho, delegado íntegro, que enfrentou o grupo poderoso de Aécio Neves em Minas. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 3 de janeiro de 2020 às 14:37
Delegado Rodrigo Bossi de Pinho

Faleceu hoje às 19 horas o delegado de polícia Rodrigo Bossi de Pinho, que realizou a maior investigação sobre o esquema de poder e corrupção do qual participava Aécio Neves.

Bossi de Pinho foi o delegado que celebrou o acordo de delação premiada do publicitário Marcos Valério, em que ele conta como começou o mensalão.

Foi em Minas Gerais, na campanha para eleger Eduardo Azeredo governador do estado e Fernando Henrique Cardoso, presidente da república.

“O esquema não era só para corromper políticos, era para fazer política, e para isso contava com a doação de grandes empresários e também com desvio de verbas públicas”, disse ele, no último encontro que tivemos, em setembro, na sua casa.

Rodrigo Bossi de Pinho já estava bastante debilitado: careca, por conta da quimioterapia e com corpo tomado pela metástase de um câncer no estômago.

Falamos por mais de 10 horas, e gravamos entrevista por mais de uma hora — trechos dessa conversa já foram publicados em alguns vídeos e usados em textos numa série de reportagens que ainda não terminou.

No final de outubro, quando estava em viagem no Uruguai, ele me procurou para desmentir uma reportagem que tinha sido publicada pela revista Veja.

Na capa, com informação atribuída à delação de Marcos Valério, aparecia Lula como suposto mandante do assassinato de Celso Daniel.

“O Marcos Valério nunca afirmou que Lula é o mandante do assassinato de Celso Daniel”, disse ele. 

“A Veja está querendo influir no julgamento da segunda instância, e nessa farsa posso dizer, com certeza, que há a ação de Mara Gabrilli”, acrescentou, em referência à senadora do PSDB que é filha de um empresário do setor de ônibus que admitiu, em depoimento a uma CPI de Santo André, que participou, conscientemente, do esquema de corrupção que existia na cidade mesmo antes da administração petista.

“Mara Gabrilli me ligou diversas vezes esta semana, tentando me influenciar a liberar o vídeo da oitiva. Não dei”, contou.

“Sabia que eles estavam tentando influenciar no julgamento do STF”, acrescentou. Para ler a reportagem, clique aqui.

Rodrigo Bossi de Pinho morreu sem que visse os frutos da sua investigação. Os Ministérios Públicos de Minas Gerais e Federal não quiseram participar do acordo de delação premiada, que envolvia a contrapartida do estado, com redução da pena aplicada a Marcos Valério.

Para o delegado, não houve interesse dos promotores e procuradores de aproveitar as informações, provas e caminhos de provas apresentados pelo publicitário.

O que disse Valério atinge membros do Ministério Público e do Judiciário também, além, é claro, de políticos de todos os partidos, do PSDB principalmente, mas também do PT.

“É uma pena, porque a delação do Marcos Valério explica muito do que acontece e acontece até hoje no Brasil”, afirmou.

O velório do delegado está marcado para começar às 9 horas na sala 4 do Parque Renascer, em Contagem. O sepultamento está previsto para as 16 horas.

Poderia se dizer muito mais sobre Rodrigo Bossi de Pinho, mas há uma palavra que define sua vida profissional: integridade.

Ele tinha a vocação do investigador, perseguia a verdade factual, tinha coragem para enfrentar grupos poderosos, e ,em todas as vezes que eu o entrevistei, jamais me deu uma informação furada. Às vezes, deixava de responder pelo sigilo do inquérito, mas não mentia.

Rodrigo Bossi de Pinho viveu alguns anos nos Estados Unidos, onde sua mãe tem residência permanente, e ele foi soldado na primeira guerra do Golfo, que expulsou tropas do Iraque do Kwait.

Ele era casado e tinha dois filhos. Sua esposa, Sandra, no auge da campanha difamatória para afastá-lo do caso publicou texto no Facebook em defesa do marido:

Hoje o assunto é sério! Não gosto de expor minha vida pessoal, nem de me misturar com o trabalho do meu marido, mas diante do artigo publicado hoje no Estado de Minas, não posso me calar. Depois da morte chocante em que tentaram calar a Marielle Franco, hoje a bala foi disparada para calar meu marido, Rodrigo Bossi de Pinho, delegado chefe do Departamento de Fraudes da Polícia Civil de MG. Investigando fraudes cometidas nos processos que invalidaram a famosa “Lista de Furnas”, Rodrigo vem sendo perseguido por muitos, inclusive por membros e representantes da própria Polícia Civil, que direta ou indiretamente poderão ser afetados pelas suas investigações. Em casa, já estamos acostumados com boatos e informações inverídicas que correm nos bastidores da Polícia. Entretanto, o que me choca ainda mais é ver o jornal Estado de Minas se prestar a este tipo de perseguição baixa, sem fundamento, ouvindo um delegado que presidiu o inquérito no passado e que, provavelmente, está se sentindo ameaçado. E a reportagem vem bem no momento em que Marcos Valério assina a sua delação com o Dep. de Fraudes, garantindo ter provas que comprovam fatos da investigação. É chocante como parte da nossa imprensa ainda se presta ao papel infame de garantir o poder dos poderosos a qualquer custo e de desprezar a sua função primordial de informar a população. A foto foi tirada por um policial da Fraudes, que ao ser flagrado pelo próprio Rodrigo foi questionado, em tom de brincadeira, se ele iria vender a foto ao Márcio Nabak. E provavelmente foi o que aconteceu …. mas Rodrigo não se importou em requisitar a foto, pois não tem relação pessoal nenhuma com o delatante da foto e nada tem a esconder. Mas a grande ironia da reportagem ficou para a sua última linha … em que menciona que o delegado Rodrigo não se pronunciou …  A VERDADE É que ele nunca foi procurado pelo Estado de Minas para se defender. Se o Estado de Minas fosse um jornal sério, teria trocado esta última informação por INFORME PUBLICITÁRIO.

Rodrigo e a esposa, Sandra
Sandra cuidou dele até o último momento.

Que Rodrigo Bossi de Pinho descanse em paz.