
Na minha lista das coisas boas da vida os heróis relutantes do escritor inglês Graham Greene têm presença garantida. Mas meu objetivo, neste artigo, não é falar de literatura. É, sim, escrever sobre morrer de amor. Mais adiante vocês entenderão por que comecei com Greene.
E então sou obrigado a um parêntese. Li há tempos, numa revista inglesa, que tinha sido lançada mais uma biografia do grande poeta russo Pushkin. Pushkin, que praticamente inventou a literatura russa, morreu de amor. De amor por Natasha, sua mulher. Natasha era conhecida como a mais bela mulher de São Petersburgo. Na minha imaginação desinformada, vejo-a como uma morena de pele clara como o teclado de um piano e olhos com o brilho hipnotizador de um par de diamantes. Um imprestável e charmoso exilado francês, que vivia do dinheiro fácil de um homossexual rico, se aproximou perigosamente de Natasha. Pushkin desafiou-o para um duelo. O que torna tudo mais absurdo é que ele já ridicularizara, em sua obra, o ato de duelar. O amante de Natasha era um atirador exímio. Pushkin, ainda hoje adorado pelos russos, agonizou alguns dias antes de morrer de amor, alcançado pela bala mortífera do francês canalha. Era 1837 e ele tinha 37 anos.
O coração partido matou o grande Pushkin. A história desse gênio russo me comove, tantos anos depois e a tantos quilômetros de distância. Não existe morte mais gloriosa do que a morte por amor. E também não existe forma mais sublime e definitiva de amor do que aquele que, como o de Pushkin por Natasha, faz morrer. E acrescento o seguinte: morrer de amor não é escolha. É destino.
E então explico por que comecei minha coluna com Graham Greene. Num de seus romances, Os Comediantes, o narrador encontra num quarto de hotel o corpo pendurado do amante de sua mãe. Ele se enforcara depois de saber que sua amada morrera. Diante da visão do apaixonado suicida, o narrador reflete sobre o amor e os amantes. Li esse livro há muitos anos, mas jamais esqueci aquela reflexão. Quem me deu o romance, na minha juventude, foi meu pai. Hoje entendo que fazia parte não de minha educação literária, mas sentimental.
O narrador, na cena da qual eu falava, se compara ao morto no quarto de hotel. Ele próprio tinha, naqueles dias, uma história de sofrimento e decepção com a linda mulher de um embaixador. Não recordo as palavras exatas, mas tenho vívido na memória o tom amargurado da reflexão do narrador. Ele como que invejava o suicida. Sobre si próprio, dizia que o fim de um caso o arrasava por uns dias, umas semanas, uns meses talvez. Mas afinal o que parecia ser uma treva inexpugnável recebia a luz invasora, primeiro tímida, depois arrebatadora, de uma nova história de amor.
Repito. Essa reflexão tinha a sombra da inveja. É como se o narrador reconhecesse que jamais alcançaria as culminâncias do amor e, por isso, se consumisse de inveja vã pelo homem que se enforcara ali naquela quarto de hotel. Como todos nós, o narrador estava vivo, mas condenado ao amor banal, descartável como uma latinha de Coca-Cola. Vá lá, quase tão descartável.
Eu entendi o desabafo do personagem de Greene. Entendi e, de certa forma, compartilhei. Olho para trás e vejo, quase sorrindo, quantas vezes eu, desesperado, imaginei que fosse morrer de amor. Como Pushkin, por quem os russos choram até hoje. Como o amante da mãe do narrador de Os Comediantes. Mas não. Sou um sobrevivente. E me ocorre que o preço que todos nós pagamos pela sobrevivência é acumular, ao longo do trajeto, latas vazias de Coca-Cola.