Mourão assiste a tudo com um breve e discreto sorriso. Por Carlos Fernardes

Atualizado em 16 de fevereiro de 2019 às 14:30

Há algo de podre no reino da Dinamarca, teria dito Hamlet. A tragédia mundialmente aclamada do dramaturgo inglês William Shakespeare que faz da traição e da corrupção fios condutores de uma trama real, poderia muito bem ser ambientada no Brasil de hoje.

A crise instalada no governo federal envolvendo a família palaciana e um dos seus ministros mais próximos, Gustavo Bebianno, ganha contornos dramáticos próximo ao seu desfecho final.

Batido o martelo de sua saída após uma reunião tensa cheia de ofensas e rancores de acordo com interlocutores do Planalto, o ministro traído e abandonado a própria sorte já demonstra a sua disposição para a vingança.

A ninguém deveria ser dado o direito de subestimar o poder bélico de um homem humilhado publicamente. Sobretudo quando esse homem é portador de segredos impublicáveis guardados a sete chaves.

A aliados, ainda quando a sua demissão era uma incógnita, Bebianno havia dito que se caísse não cairia sozinho. A família Bolsonaro bancou a aposta e pagou para ver.

Fato praticamente consumado, os sinais começam a aparecer.

Na madrugada deste sábado (16) Bebianno postou em suas redes sociais um sugestivo texto que demonstra para além do que está sentindo, o que ainda está por vir. Vale a leitura na íntegra:

A lealdade é um gesto bonito das boas amizades. Só consegue ser amigo, quem aprende a ser leal. Só quem entende o real significado dessa palavra tão forte, compreende a importância de praticá-la no seu dia a dia. A lealdade constrói pontes indestrutíveis nas relações humanas. E repare: quando perdemos por ser leal, mantemos viva a honra. Saímos de qualquer lugar com a cabeça erguida ao carregar no coração a lealdade. É ela quem conduz os passos das pessoas que jamais irão se perder do caminho. Que jamais irão se entregar as turbulências. Que jamais irão se entregar as circunstâncias. Uma pessoa le al, sempre será leal. Já o desleal, coitado, viverá sempre esperando o mundo desabar na sua cabeça.
EDGARD ABBEHUSEM

Sutil como um rinoceronte enfurecido numa loja de cristais. Com a faca nos dentes e sangue nos olhos, Bebianno promete cenas emocionantes para os próximos capítulos.

O diabo é que sobre a cabeça de cada vingador plainam absolutos os abutres da miséria a aguardar pacientes os despojos dos tombados na batalha campal.

O General Mourão, que por sua patente deve entender infinitamente melhor de estratégia do que o capitão do qual hoje é curiosamente subordinado, acompanha o desenrolar da crise com a distância e parcimônia suficientes para não se deixar contaminar.

Como que completamente alheio ao que está acontecendo, finge não participar do governo que encontra-se na iminência de ver o “mundo desabar na sua cabeça”.

Sabe que na balança desregulada das traições a bandeja que desce com Jair Bolsonaro eleva a bandeja da qual tenta se mostrar incólume e à margem da incompetência e desorganização que triunfam no governo central.

A história mostra que mais cedo ou mais tarde o ato da traição traz consequências terríveis para o traidor que, por sua vez, sempre acaba atuando no papel oposto.

Mourão, da plateia, assiste a tudo com um breve e discreto sorriso. Afinal, está ciente de que há algo de podre no reino do Brasil. E isso muito lhe agrada.