
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta quarta-feira (16), Hamilton Mourão afirmou que não passará a faixa presidencial a Lula (PT), caso Bolsonaro (PL) se recuse a participar da cerimônia de posse. O vice-presidente e senador eleito também comentou as manifestações antidemocráticas em frente a quartéis do Exército, a atuação do novo Congresso e a relação dos militares com a política e com o futuro governo petista:
Como estão esses últimos dias de governo?
Estamos no ritmo daquela musiquinha: “Se Acabou”. Estamos no ritmo de limpar mesinhas, preparar as coisas. O tempo está comendo aí, pô. Um novo inquilino [Geraldo Alckmin] está chegando.
Como o senhor acha que será a atuação do novo Congresso?
Pelo novo Congresso eleito, o governo terá que negociar bastante. Mas a gente sabe que as cabeças pensam diferente. Muita gente que poderia fazer oposição ao governo eleito, na hora termina flexibilizando e se juntando aos apoiadores do novo governo. (…)
Como ficou a imagem das Forças Armadas depois desse período de quatro anos?
As Forças Armadas se baseiam na hierarquia e na disciplina. Se elas fogem disso, viram um bando armado, que é o troço mais perigoso que tem. A política não pode estar dentro do quartel pois fere de morte a hierarquia e a disciplina. As Forças Armadas se mantiveram fora do governo, 95% dos militares que estavam dentro do governo eram da reserva. Você não viu um único general da ativa fazer algum pronunciamento.
E como deve ser a relação dos militares com o novo governo?
Vai continuar tudo como dantes no quartel de Abrantes. Eu gosto muito de uma frase do Delfim Netto: “no dia 1º de janeiro, a quitanda vai abrir com berinjela pra vender e troco para o freguês”. É isso que vai acontecer. O relacionamento dos governos do PT com as Forças Armadas foi mais ou menos tranquilo. A única questão foi aquela coisa da Comissão da Verdade. E aí foi a Dilma que meteu os pés pelas mãos. O Lula nunca meteu os pés pelas mãos junto às Forças. Vai escolher um ministro da Defesa, um civil qualquer desses aí, tem várias especulações.
Como o senhor vê esse movimento pedindo “intervenção federal” na frente dos quartéis?
Desde 2015 tem um grupo na sociedade brasileira inconformado com a corrupção e com a falta de resposta mais rápida do nosso sistema judicial. E esse pessoal acha que a solução é ter um golpe militar aqui. Aí, fazem uma interpretação enviesada do artigo 142 da Constituição. A nossa visão do artigo 142 coloca três missões para as Forças Armadas: defesa da pátria; garantia dos Poderes Constitucionais; e, por iniciativa de qualquer um deles, Garantia da Lei e da Ordem. Tem gente que interpreta que a garantia dos poderes constitucionais seria um poder moderador concedido às Forças Armadas. Aí, até a interpretação disso é complicada.
Que mensagem o senhor enviaria para essas pessoas?
A minha mensagem é muito clara: nós temos que viver para lutar no outro dia. Não adianta querer morrer hoje, senão não vamos viver para lutar amanhã. Viver para constituirmos uma força tremenda. Temos um capital político de 58 milhões de pessoas. Podemos em 2024, bem planejados, abraçar um bom número de prefeituras, base do sistema político, e ganhar a eleição em 2026.
Ganhar com o Bolsonaro?
Com o Bolsonaro ou outro nome. Temos o Tarcísio [de Freitas], que ganhou uma eleição em São Paulo que ninguém esperava que ele ganhasse. (…)
Fala-se na hipótese de Bolsonaro não entregar a faixa. O senhor ficaria com essa atribuição?
Acho que está havendo uma distorção. Porque passagem de faixa é do presidente que sai para o presidente que entra. Se o presidente, vamos dizer assim, ele não vai querer passar a faixa, não adianta dizer que eu vou passar. Eu não sou o presidente. Eu não posso botar aquela faixa, tirar e entregar. Então, se é para dobrar, bonitinho, e entregar para o Lula, pô, qualquer um pode ir ali e entregar.
O senhor não vai assumir essa missão?
Não é o caso.
E acha que Bolsonaro deveria entregar a faixa?
Acho que seria um grande gesto. Sou um grande fã do Winston Churchill. Tem um aforismo dele que diz que, na guerra, você tem de ter determinação, na vitória tem que ser magnânimo e na derrota, tem que ser altivo e desafiador. Acho que seria um gesto de altivez e de desafio: “Toma aí, te vira agora aí, meu irmão. Te vejo em 2026”. (…)