Publicado originalmente no perfil do autor
POR LUIS FELIPE MIGUEL, professor da UnB
O chamado “movimento” Escola Sem Partido, na verdade um lobby dirigido por um único indivíduo, nasceu com pauta predominantemente anticomunista. Seu alvo era a presença, em sala de aula, de discussões sobre as injustiças sociais e de perspectivas críticas ao capitalismo. Em texto que depois tirou de circulação, o chefe do ESP afirmava desejar uma “escola que promova os valores do [Instituto] Millenium” – referindo-se ao “think puddle” (porque “tank” é demais para o calibre intelectual dele) ultraliberal sediado no Rio de Janeiro e financiado alhures.
Mas o ESP só ganhou visibilidade quanto deu uma guinada programática (e pragmática), passando a priorizar a chamada “agenda moral” e aderindo à campanha de desinformação contra o que foi rotulado como “ideologia de gênero” – que é, na verdade, a tentativa de construir, nas escolas e por extensão na sociedade, um ambiente livre de violências e respeitoso da diversidade. Com slogans tão retrógrados quanto “meus filhos, minhas regras”, que nega a ideia de que as crianças tenham direitos, afirma a primazia absoluta da família, recusa expressamente o caráter educativo do espaço escolar e, no fim das contas, inviabiliza a própria noção de ensino público, o que para eles é um ganho.
O avanço de projetos de lei baseados nesta visão de mundo medieval preocupa. O ESP tem priorizado o terrorismo contra professores, julgando que será capaz de intimidá-los. Mas, com o retrocesso vivido no país, a possibilidade de aprovação de uma norma legal restritiva de liberdade de ensinar e aprender já não está afastada.
A campanha contra a discussão sobre gênero é criminosa. Nunca é demais lembrar que o Brasil é líder mundial em feminicídios e assassinatos homofóbicos. Há sangue nas mãos dos religiosos fundamentalistas, dos parlamentares reacionários, dos promotores do “Escola Sem Partido”, de todos aqueles que impedem que se promova o respeito às múltiplas de ser, à diversidade sexual e ao princípio da igual autonomia de mulheres e de homens.
A mobilização política da extrema-direita está provocando, de forma deliberada, a ampliação a violência contra grupos oprimidos. Sempre tivemos, no Brasil, uma combinação perversa entre estruturas sociais que reproduzem a dominação e um discurso difuso marcado pelos preconceitos. Isso contribuía para a naturalização do racismo, do sexismo, da homofobia. Mas hoje, até como reação ao enfrentamento que se começou a fazer dessa situação, racismo, sexismo e homofobia passam a ser reivindicados como identidades militantes. É trágico.