MPF e DPU questionam decisão de Bolsonaro para celebrar o golpe de 64

Atualizado em 26 de março de 2019 às 21:06

PUBLICADO NO CONJUR

A Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal questionaram, nesta terça-feira (26/3), a ordem do presidente Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas comemorem, neste domingo (31/3), os 55 anos do golpe militar de 1964. Para as entidades, a medida viola princípios constitucionais e pode configurar ato de improbidade administrativa.

A determinação de Bolsonaro foi confirmada pelo porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros. Segundo ele, o presidente ordenou ao Ministério da Defesa que faça as “comemorações devidas” pelo aniversário do início do regime militar.

Em ação civil pública contra a União, a DPU afirma que a ditadura militar violou diversos direitos e garantias fundamentais dos brasileiros. A Defensoria lembra que o regime promoveu assassinatos, torturas, prisões arbitrárias e cassações de políticos, funcionários públicos e dirigentes sindicais.

Para a DPU, a ordem de Bolsonaro viola o princípio da legalidade. Isso porque a Lei 12.345/2010, estabelece que a instituição de datas comemorativas que vigorem em todo território nacional deve ser objeto de projeto de lei.

“Resta claro, portanto, que caso o presidente decidisse instituir uma nova data comemorativa nacional seria necessário, no mínimo, uma convergência de vontades, respeitando o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 2º do nosso texto constitucional. Considerando que o pilar democrático é a harmonia e independência entre os Poderes, não poderia o Chefe do Executivo, deliberadamente, incentivar ou permitir comemorações oficiais ao arrepio da lei, do Congresso Nacional e, em ultima escala, da sociedade”, alega a Defensoria.

A determinação do presidente para que as Forças Armadas comemorem os 55 anos do golpe militar também viola o princípio da moralidade, sustenta a DPU. Afinal, destaca a entidade, a medida “é ofensiva à memória de todas as pessoas que foram perseguidas, torturadas e assassinadas no período ditatorial brasileiro”.

A DPU também ressalta que o comando de Bolsonaro fere o direito à memória e à verdade e estimula novos golpes, colocando em risco o Estado Democrático de Direito.

Dessa maneira, a Defensoria pede que liminar para proibir a União de promover comemorações de aniversário do golpe militar e de gastar recursos com esse objetivo.

A intenção de Bolsonaro também foi questionada em ações populares.

Nota do MPF

Já o MPF, por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), afirma em nota que “festejar um golpe de Estado e um regime que adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes internacionais” é “incompatível com o Estado Democrático de Direito”.

A Procuradoria lembra que, se Bolsonaro apoiasse um golpe militar nos dias de hoje, ele praticaria crime de responsabilidade – que motiva a abertura de processo de impeachment.

“O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988. O apoio de um presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei 1.079, de 1950). As alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto.”

A Comissão Nacional da Verdade concluiu que agentes da ditadura militar assassinaram ou desapareceram com 434 pessoas e 8 mil índios, recorda o MPF. Além disso, prenderam ilegalmente e torturaram entre 30 mil e 50 mil pessoas. Portanto, comemorar o dia do golpe militar pode caracterizar ato de improbidade administrativa, diz o órgão.

“Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas. Aliás, utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos do artigo 11 da Lei 8.429, de 1992.”