O senador bolsonarista Eduardo Girão (Novo-CE) tentou faturar no Instagram em cima do conterrâneo Matheus Alencar de Moraes, que ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática no Japão.
No post, ele recebeu uma resposta dura da mãe do jovem estudante.
Marcele Alencar soltou: “Meu filho! A imagem cortou a camisa que ele tá usando que homenageia grandes nomes da MPB! Para além disso, informo para aqueles que seguem o ilustre senador que esse menino prodígio foi muito bem educado social e politicamente”.
“E, portanto, JAMAIS APOIARIA UM GOVERNO MILITARIZADO, TEOCRÁTICO E ANTICIÊNCIA. Sinto muito de ver uma notícia tão feliz sendo usada aqui e também politizada de maneira equivocada pelos seguidores”.
Matheus e Marcele concederam uma entrevista ao programa DCM Ao Meio-Dia. Confira os principais pontos da conversa.
“O que me incomodou foram os seguidores do Girão”
Matheus Alencar: Fico muito feliz que minha mãe tenha conseguido escrever alguma coisa por mim no Instagram. Definitivamente, a gente não esperava que fosse todo mundo ver. E ter tanto apoio quanto a gente teve. Não estávamos esperando.
A gente não esperava que fosse bombar essa história. Mas eu fico muito feliz que a minha mãe tenha estado lá para responder ao senador. Eu concordo com tudo que ela falou. É tudo verdade
Eu até fiquei bem triste porque o Eduardo Girão, senador daqui do Ceará, cortou a minha camisa na foto. Eu queria fazer uma homenagem. Escolhi a camisa para pegar a medalha com ela mesmo. Girão cortou e eu fiquei meio triste.
Eu definitivamente ainda tenho muito a aprender, mas fui contra um governo militarizado.
Marcele Alencar: Foi um orgulho muito grande o resultado do Matheus. Era uma coisa que ele sonhava desde muito pequeno. Essa Olimpíada é uma competição muito tradicional.
É uma olimpíada científica com uma seleção bem pesada, bem difícil de participar. Somente seis brasileiros são selecionados por ano para ir até lá. Matheus era o membro mais novo da equipe, com apenas 16 anos. E conseguiu trazer a única medalha de ouro desta edição.
Foi a primeira vez de uma medalha assim na história do Ceará. Então a gente ficou muito feliz.
Matheus deu algumas entrevistas locais por aqui. Para os jornais daqui. A escola em que ele estuda é uma escola muito grande, com assessoria de imprensa significativa.
E ele é bolsista nessa escola, antes que algumas pessoas que estão lá no post do senador agredindo a gente falem algo.
Estão atacando a gente e escrevendo coisas como: “Ah, vocês são estudando na escola mais cara da cidade e tá aqui contra o senador”.
A gente ficou muito feliz com a repercussão da notícia. Já tinha ocorrido uma repercussão local. Porém, quando eu vi o post do senador, o que me incomodou não foi a postagem em si.
Apesar de não coadunar com posicionamento político dele, não fazer parte do eleitorado dele, a postagem em si é só uma pessoa noticiando um fato.
Girão não fez nenhum juízo de valor. O que me incomodou foram os seguidores dele.
Ele coloca ali para o público dele e esse seguidores, sim, politizaram a conquista do meu filho. Desvirtuaram essa conquista e atribuíram a nós alguns ideologias e posicionamentos que são diametralmente opostos àquilo que a gente acredita, defende, luta e representa nas nossas esferas de atuação social e política.
Então, o que me incomodou, e o meu comentário foi redigido aos seguidores do senador nesse sentido, é que nós não somos isso que vocês estão dizendo. Mas as pessoas não não leem, não é?
Não interpretam o que estão lendo. Na verdade, é como eu falei, a postagem não diz nada. É só mais uma pessoa noticiando. Várias pessoas noticiaram e reproduziram e comemoraram. Porque realmente é um feito histórico. É o primeiro cearense.
A camiseta de Matheus que Girão cortou no Instagram
Marcele Alencar: Me incomodou o corte da camisa que fizeram no post do senador.
Matheus ficou sozinho, um mês fora de casa e do outro lado do mundo. A premiação aconteceu às três da manhã do Brasil. Ele escolheu aquela camiseta para receber a premiação.
Ele escolheu homenagear os nomes que estão naquela camisa na hora de receber a medalha. Não fui eu que disse para ele vestir essa camisa. Matheus escolheu deliberadamente e adotou esse posicionamento. Então o Girão cortou a camisa.
Tudo é político. Tudo ali é uma mensagem e, então, ele cortou deliberadamente a camisa do meu filho. Isso me incomodou e também os seguidores.
Eu continuo incomodando porque a postagem tem cerca de 6.000 curtidas e o meu comentário já passou de 16 mil. Na postagem em si tem muitos comentários bem típicos, né? Me chamando de “louca”, “tresloucada”.
Sou viúva. O Matheus perdeu o pai quando ele tinha apenas três anos. Tenho um filho mais novo que tem 14 e eu cuido dos meus filhos sozinha desde 2010.
“Muito doutrinado”
Marcele Alencar: Matheus ganhou a camiseta de um amigo. Ele amou. Os dois compraram a mesma camisa que homenageia artistas da MPB que são artistas que são reconhecidamente de esquerda.
Quando eu falo que ele teve uma educação social é porque o Matheus me acompanhou em projetos sociais. Ele me acompanhou em sopões de Fortaleza. Me acompanhou em praças. Ele foi muito doutrinado.A gente distribuiu comida.
Eu sou advogada, mas eu tenho um trabalho político há algum tempo. Trabalho na área previdenciária com INSS, benefícios sociais.
Sou formada pela Universidade Federal do Ceará, cria de universidade pública. Entrei na faculdade em 2002. Então eu vi o impacto do governo do Lula dentro da universidade pública porque fui aluna e estava lá dentro.
Eu sei a relevância do investimento público para as universidades. Sei também que não é um antro de “maconheiros” como tem algumas pessoas dizendo lá no post do Eduardo Girão.
Os seguidores do Girão ficaram desvirtuando completamente o nosso posicionamento político e a nossa história de vida.
Matheus Alencar: Usei a camiseta porque eu gosto muito de MPB. Minha mãe me fez passar a vida inteira escutando esse tipo de música. Eu gosto muito mesmo. Então, a intenção foi basicamente só homenagear os artistas. A intenção não era mostrar o meu posicionamento político.
O que aconteceu aumentou o significado da Olimpíada. A escola que eu estudo dá um apoio todo para esse tipo de competição. Eles têm aulas e cursos para se preparar.
Marcele Alencar: Com os ataques de bolsonaristas, eu tenho mais medo de que eles, meus filhos, sejam atingidos do que eu mesma. Porque eu venho me posicionando e debatendo com as pessoas da direita desde a eleição de 2014, a Dilma e a época do impeachment.
Fui muito criticada e muito xingada. Já ouvi todos os desaforos aí da direita brasileira que você possa imaginar. De “baranga” até que eu “nunca vou arranjar um homem”, “comunista de iPhone”.
Ouvi de tudo de pessoas conhecidas e de desconhecidas. A gente acabou se afastando de alguns que apoiaram um governo que foi sem condições. Não tenho nem adjetivos para falar do Bolsonaro.
Matheus Alencar: Amigos bolsonaristas, eu não tenho muitos na matemática. Tem uma galera que não gosta nem um pouco de história. Eles não conhecem o que aconteceu nesse país eles e não entendem mesmo.
Tem algumas pessoas que vão para semana olímpica de matemática e falam o quanto eles amam o Bolsonaro. Vão com boné do Brasil Paralelo. Alguns bolsonaristas sabem fazer conta.
Eu evito ter amizade com essas pessoas. Em geral, meus amigos de Olimpíada também são de esquerda. Ou pelo menos progressistas. Às vezes eles não se posicionam. Só que bolsonarista não são.
Veja a entrevista na íntegra.